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9 de nov. de 2010

A escola, o video game e o prazer

Por Marcelo Silva de Souza Ribeiro
Professor do Colegiado do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco, doutorando em educação (UQAC).

Este trabalho é fruto de algumas experiências que perpassam a própria história de vida, enquanto testemunha de uma geração que vive o video game em suas múltiplas facetas. Essas experiências têm a ver com a condição de ser pai de crianças que exploram o video game em seus processos de descobrimentos e também na condição de professor e orientador de um projeto de pesquisa que versa sobre a questão do uso do game em uma escola de educação infantil.

Sendo assim, e de modo mais específico, a metodologia proposta e desenvolvida que resultou na elaboração deste trabalho, teve como ponto de partida a questão da experiência em testemunhar, como pai, reações e comportamentos dos meus filhos face ao video game. Além disso, teve a ver com a minha experiência de professor e orientador, interessado e envolvido nas questões educacionais, sobretudo no que diz respeito ao modo como a escola vem se apropriando e lidando com as novas tecnologias da informação, principalmente o video game.

As reflexões que fazem corpo deste trabalho, portanto, se entrelaçam numa articulação entre o modo como as crianças e as escolas vêm lidando com os videos games, trazendo um destaque para relação entre a escola e o prazer. Essas reflexões, por sua vez, pretendem possibilitar questionamentos do tipo: estariam as escolas em sintonia com o modo como as crianças lidam com os vídeos games e constroem seus conhecimentos? De que modo as escolas tem apreendido e representado o vídeo game como instrumento mediador da formação das crianças? Assim, longe de intencionar respostas precisas para tais questões, o texto visa suscitar algumas reflexões sobre o assunto.

A experiência de ser pai: testemunha de uma geração

Quando o meu filho mais velho tinha seis anos eu sempre o presenteava com algum jogo educativo. Essa era uma das minhas contribuições para sua educação, principalmente na interação com as novas
tecnologias da informação. Assim que ele recebia o CD ROM, instalava-o em meu computador e, entusiasmadamente, ele ia jogar. Ao longo de certo tempo percebi que depois de alguns dias Matheus logo deixava o jogo de lado. Eu imaginava que talvez o jogo educativo não fosse tão bom e que procuraria algo mais próprio, mais autêntico em termos de sua origem e finalidade educativa.

Quando o meu segundo filho passou a ter uma idade que permitia maturidade para interagir com o computador, herdou os CD ROMs do irmão. O fenômeno, de modo semelhante, se repetiu. Assim como seu irmão, Thiago rapidamente “enjoava” dos jogos. Nesse ínterim, cheguei a pensar que o fato de sempre estar presenteando-os com jogos educativos diferentes, estivesse contribuído para algum tipo de condicionamento, onde a perda de interesse pelo jogo que acabara de ganhar fosse o reforço.

Foi então que percebi que os dois ficavam muito mais interessados e estabeleciam uma interação mais duradoura com os jogos convencionais. Deixei de comprar jogos educativos e passei a jogar com os meus filhos no seu play station II.

A experiência de ser professor e orientador: instigantes reflexões

A experiência com os meus filhos, embora marcante, não havia sido ainda motivo de reflexão a respeito da relação entre a escola, o uso do vídeo game e o prazer. Na verdade, o ponto choque foi quando dois alunos de psicologia me procuraram para que os orientassem em um projeto de iniciação à pesquisa.

Tratava-se, na época, de idéias difusas, mas que traziam na sua base discussões sobre a pertinência dos videos games (assim ou videogames?) convencionais para o processo de desenvolvimento e aprendizagem. Fiquei impressionado com a potencialidade de todas as idéias por eles apresentadas, mas terminamos optando por desenvolver um projeto de pesquisa e intervenção, abordando a questão do “video game nas escolas”, utilizando o video game como recurso mediador para o processo de aprendizagem no âmbito da educação infantil. A partir daí, tomei contato com várias idéias de pesquisadores que trabalham a questão das novas tecnologias, como Lévy (1995), Alves (1998) e Papert (2008).

Em retrospectiva, avalio que a experiência pessoal, o trabalho acadêmico, o contato com jovens estudantes criativos e as leituras contribuíram para lançar-me instigantes reflexões sobre a atual situação da escola, ou melhor, algo que passa pela indagação de como as escolas vem se relacionando com o video game e o que tem por base dessa relação, que é a questão do prazer.

Feixes de história da educação…

O educação contemporânea, sobretudo no que se refere a educação voltada para as crianças, surgiu com os primeiros moralistas na modernidade. Após a invenção da infância, com o descobrimento de que a criança seria um ser frágil, puro e vulnerável à corrupção, passou-se a ter a necessidade de criar espaços especializados onde a sua pureza pudesse ser preservada ao máximo e o seu caráter fortalecido ao ponto de poder resistir a um “mundo sujo” e de uma moral corrompida (ARIÈS, 1995).

Esses espaços foram os primórdios das escolas e foram também graças a esses lugares que os primeiros educadores puderam lançar seus olhares aos pequenos seres, aos seus processos de desenvolvimento e aprendizagem. A ironia dessa história é que a educação surge, inicialmente, enclausurando os escolares e é justamente a partir daí que se inicia toda uma série de movimentos que visam a emancipação e autonomia destes.

Seguindo a démarche de movimentos na educação que buscaram a emancipação e autonomia, Jean-Jacques Rousseau é um dos clássicos que vão defender veementemente a necessidade de uma pedagogia onde se respeite a natureza infantil, suas especificidades, suas necessidades e ritmos, em um clima de liberdade e respeito. Ele é, provavelmente, um marco na educação no que diz respeito a idéia de que nascemos capazes de aprender, mas sem nada saber e nada conhecendo. Aliás, outros enfatizam essa perspectiva como Paulo Freire (2008) e Carl Rogers (1990), ao definirem a curiosidade ou a atualização como aprendizagem, respectivamente, como a prima (o que é prima?)da construção do conhecimento. O próprio Piaget vai ter essa consideração ao falar da correspondência entre a vida (no sentido biológico) e a inteligência, referindo-se ao processo de auto-regulação organísmica e tendência majorante.

A psicanálise, como campo de compreensão do comportamento humano, também irá influenciar a educação (e suas práticas), sobretudo no que diz respeito a ideia de desejo enquanto elemento indispensável para que o conhecimento possa ocorrer. Sendo assim, muito educadores (LOPES, 1998; MACIEL, 2001) trouxeram a influência psicanalítica e passaram propor que os processos de ensino e aprendizagem fossem vistos a partir da idéia de desejo. Em outras palavras, seria imprescindível o desejo para que a criança pudesse verdadeiramente aprender.

A escola, tal como é conhecida hoje, nasce na modernidade com uma proposta moralizadora de enclausurar os escolares e é justamente a partir daí, de maneira contraditória, que muitos avanços são possíveis em termos pedagógicos. Entretanto, alguns desses “avanços” parecem não ter se efetivado na prática. A “descoberta”, por exemplo, por parte dos educadores de que o prazer é fundamental para o processo de ensino e aprendizagem tem eco em diversas teorias, mas tem ressonância no cotidiano das escolas?

Um pouco da história atual: a educação e o video game

Nessa perspectiva não é novidade falar da necessidade da escola facilitar processos onde o estudante possa ter prazer em estudar, prazer em estar na escola e prazer em aprender. Apesar das inúmeras discussões que permeiam a questão do prazer e da escola, como as relacionadas às teorias da motivação interna e externa, as teorias instrucionistas e o inconsciente, parece ser um assunto digno de atualização, sobretudo quando se insere no contexto escolar ou no mundo infantil elementos de grande poder de interação e sedução como o video game.

Moita (2007), vai dizer a respeito das possibilidades do game o seguinte: No início deste terceiro milênio, em que a tecnologia domina todos os espaços, desde os públicos aos privados (caixas eletrônicos, aparelhos eletrônicos domésticos sofisticados como: pequenos robôs, geladeiras, microondas máquinas de lavar), os games parecem surgir como natural teachers (Gentile; Anderson, 2005), a porta de entrada para crianças e jovens, principalmente das famílias menos favorecidas, para exercitarem suas habilidades e adentrarem nesse mundo eletrônico do cotidiano.

Os games, embora com algumas semelhanças, em sua elaboração, com os jogos tradicionais, permitem, para além da possibilidade de simulação, de movimento, de efeitos sonoros em sua utilização corriqueira, uma interação com uma nova linguagem, oriunda do surgimento e do desenvolvimento das tecnologias digitais, da transformação do computador em aparato de comunicação e da transformação do computador em aparato de comunicação e da convergência das mídias. Proporciona, assim, novas formas de sentir, pensar, agir e interagir (p.21).

Os recursos e possibilidades dos videos games vêm sendo utilizados em vários campos, que não somente o já conhecido campo do entretenimento. Eles estão sendo utilizados no tratamento de doenças, na atenuação de dores (em momentos onde o paciente tem que ser submetido a procedimentos dolorosos) e em tratamentos psicológicos, sobretudo na terapia para fobia.

Do ponto de vista teórico, o video game vem sendo estudado como recurso propiciador de desenvolvimento cognitivo e sócio-afetivo (estudos sobre o seconde life, entre outros). Além disso, o video game também vem sendo incorporado pela educação e chega até a escola através, sobretudo, dos mais variados jogos educativos.

A grande questão que se coloca no modo como o video game chega até a escola, ou melhor, como ele é apropriado pela educação e aterriza nas escolas é que ele chega, comumente, sem o prazer. Ele parece chegar carregado de elementos moralizadores com reprimendas, proibições e préconceitos.

De modo geral, alguns games educativos permitidos de serem trabalhados nas escolas são considerados pelas crianças como demasiadamente desinteressantes, pouco atrativos e enfadonhos. Ao contrário, é comum, por exemplo, constatar o modo como as crianças se relacionam com os convencionais games, em êxtase, frenesi e grande ansiedade para jogar, para ultrapassar os obstáculos, para vencer os inimigos e para ganhar as apostas. Em outras palavras, com aparente prazer.

Sendo assim, as crianças são capazes de ficarem horas e horas completamente entretidas e, nessa relação, são capazes de construir habilidades psicomotoras, cognitivas e aprender, velozmente, uma série de conteúdos que vão desde as regras dos jogos (muitas vezes complexos), passando pelas longas histórias que antecedem os jogos (que são uma espécie de prefácio onde se explica e contextualiza a história do jogo) até o aprendizado de outras línguas.

Por outro lado, via de regra, os jogos educativos (considerados “oficiais”) rapidamente saturam o interesse das crianças. Parece que são chatos e sem muito atrativo para os meninos e meninas que interagem com eles. É possível, inclusive, pensar que os jogos educativos seriam uma espécie de video games deserotizados. Daí, outra questão que se coloca é: por que parece haver na educação e no campo escolar uma tendência a retirar o prazer das ações e práticas vivenciadas pelos estudantes, apesar das teorias insistirem no poder do prazer para os próprios processos educativos?

A partir do que foi posto, podemos indagar como um universo de possibilidades de aprendizagem, que são essas tecnologias, como os vídeos games, tornaram-se desvalorizadas, sobretudo para a educação? Se podem influenciar no desenvolvimento de várias formas, por que, inserida no ambiente educacional, se tornou apenas uma mera extensão do sistema educacional, reproduzindo a falta de sentido entre o aprender e o prazer?

Para Alves (2003), a utilização de software reduzido a ele mesmo empobrece a prática pedagógica e limita o caráter exploratório tornando essas tecnologias chatas e por isso, desinteressantes. A autora alerta que é preciso rever toda a noção e abordagem de como as novas tecnologias têm sido manejadas no decorrer dos anos.

Até onde podemos constatar há, relativamente, poucos trabalhos, sobretudo no contexto nacional, sobre a utilização do video game como um instrumento que contribui para a aprendizagem e o desenvolvimento global da criança em um espaço educacional.

Podemos inferir, portanto, que pesquisas sobre a questão do video game, entendido como instrumento e em situação de mediação, pode contribuir para alargar compreensões do processo de aprendizagem e desenvolvimento, sobretudo em uma relação prazerosa. Por outro lado, uma série de questões são ainda postas. Vejamos a seguir.

Seriam as escolas e, mais especificamente, os espaços da sala aula impregnados muito mais de relações coercitivas, punitivas e castradoras do que possa imaginar a suposta ingênua visão do senso comum, como apontada por Jackson (2001)? Ou haveria abertura e ainda falta de oportunidade para as escolas se apropriarem de ações e atividades onde, efetivamente, o prazer pudesse estar presente de maneira natural nos processos educativos vividos pelos professores e estudantes? As escolas seriam espaços irremediáveis de não libertação e a serviço da domesticação? Ou dependeria muito do processo histórico e do poder de saber fazer uma pedagogia para libertação, como a apontada por Freire (2008)?

Longe de buscar responder de maneira precisa essas perguntas, até porque outras possibilidades e indagações certamente existem, o que nos interessa enquanto provocação é refletir sobre a absorção de práticas, e aqui mais especificamente, do video game com toda sua potencialidade criativa e de prazer no âmbito escolar e a serviço da escola, mas sem perder de vista o interesse, a alegria, o entusiasmo e o prazer que as crianças sentem ao interagir com o video game.

A guisa de uma meia conclusão: a experiência do projeto video game nas escolas

O projeto de iniciação à pesquisa sobre a utilização do video game na escola, como recurso para potencializar a aprendizagem e o desenvolvimento, tem sido uma experiência bastante rica em termos de possibilidades de ação e reflexão. A experiência da pesquisa vem sendo desenvolvida em uma escola de educação infantil da rede municipal da cidade de Petrolina – PE, envolvendo crianças na faixa etária de 5 (cinco) a 7 (sete) anos.

O critério de seleção das crianças passa pela indicação dos próprios professores tendo por base algumas dificuldades de aprendizagem. O trabalho já vem sendo realizado há 2 (dois) anos e, atualmente, trabalha-se com um total de 12 (doze) crianças. Estas são divididas em grupos de 3 (três) ou 4 (quatro) crianças e as sessões acontecem uma vez por semana.

O trabalho consiste em disponibilizar um video game (modelo PS2), aparelho de televisão e os próprios jogos. Estes são selecionados previamente, tomando como critério a adequação a certas habilidades e dificuldades observadas nos grupos das crianças. Estas, então, são convidadas a jogar e nesse processo os orientandos interagem e fazem intervenções em relação ao próprio ato de jogar, mas buscando sempre relacionar com os níveis de desenvolvimento e aprendizagem das crianças.

Um exemplo do que acabemos de abordar é quando a criança que chega com dificuldades de lateralidade e que movimenta o controle de modo espelhado é mediada de modo a assimilar outro tipo de relação entre os movimentos na tela e os que ela opera no controle. Assim, trabalham-se questões relacionadas aos aspectos cognitivos, mas também sociais e afetivos. A questão do limite é outro exemplo. Quando uma criança “perde” a partida tem que passar o controle para o outro colega e nem sempre isso é evidente. Há regras estabelecidas, há questionamento a respeito dos personagens escolhidos e das tarefas a serem executadas durante as jogadas, há descobertas feitas entre as próprias crianças, etc.

Para mensurar o desenvolvimento é feita uma avaliação com as crianças, entrevistas com os pais e professores. Faz-se uso também de uma tabela de acompanhamento do desenvolvimento da criança, de modo que tudo isso permite apresentar um quadro evolutivo. Ainda existem muitos pontos a serem explorados e experimentados nesse tipo de pesquisa, mas já é possível afirmar que há lacunas na utilização do video game nas escolas, sobretudo em relação aos games comerciais. De modo semelhante, podemos também afirmar que várias dificuldades foram e estão sendo encontradas na utilização desse recurso como facilitador do desenvolvimento dos alunos, sobretudo das crianças em educação infantil.

Assim, temos observado uma série de pré-conceitos que rondam a questão da incorporação do video game nas escolas. O que parece ser permitido e que não provoca “sustos” aos educadores é o jogo educativo, aquele que chamamos de “deserotizados”. Entretanto, quando é mencionado o jogo convencional, o video game, percebemos certo espanto na face das professoras. Não incomum, somos questionados se utilizamos “aqueles jogos violentos”. E para escândalo, balançamos a cabeça acenando positivamente (com um leve e discreto sorriso sarcástico).

O que queremos frisar é a pergunta que insiste em permanecer de maneira indignada: educação não rimaria com prazer? A partir das nossas próprias experiências e o que temos encontrado nos estudos consultados é que sim. Tudo aquilo que desperta a curiosidade e atenção das crianças pode ser fonte e recurso positivo para a escola aproveitar como meio educativo. É lógico que não estamos falando de uma tendência contemporânea de buscar sempre aquilo que é mais fácil, na beira de um modismo que é avesso ao esforço. Na verdade, o prazer, a curiosidade, nos leva a transpor montanhas, dificuldades e porque não dizer, as limitações do próprio modelo de escola que existe hoje.

Finalmente, nessas andanças que estão sendo suscitadas pela experiência e reflexão que levam em consideração a tríade escola, video game e prazer, expomos o questionamento de por que não incorporar os vídeo games como recursos, mediadores e facilitadores para os processos de desenvolvimento e aprendizagem no âmbito das escolas?

A questão posta no parágrafo anterior parece suscitar algumas reflexões, objetivo deste trabalho, que levam, por sua vez, a pensar o papel da escola e como esta vem se apropriando das novas tecnologias. Entretanto, também nos parece que a escola não só tem tido modos particulares de se apropriar das novas tecnologias e, mais especificamente, dos games, mas também tende a incorporar certo modo de lidar com o prazer, com o lúdico, em seus espaços.

Com certa obviedade, este trabalho trás limitações no que diz respeito a possibilidade de explorar temas tão complexos como a questão do prazer nos ambientes escolares, mas tende a apontar e provocar compreensões e, porque não, incômodos reflexivos a respeito da relação entre a escola, o video game e o prazer.

Esperamos, portanto, ter contribuído, mesmo que de maneira modesta, para provocar algumas reflexões acerca da pertinência do prazer na escola, sobretudo no que diz respeito à utilização do vídeo game convencional como instrumento potente para desencadear o prazer de aprender. Talvez o game, com toda sua “magia” de modernidade, do novo, possa resgatar algumas reflexões daquilo que a escola tenha perdido em seu passado, ou seja, a conexão entre o ensino e o prazer.

É certo que, entendido como instrumento em si, o video game nada poderá garantir. Há que se valer de processos competentes de mediação, sabendo dispor o vídeo game a serviço dos processos educativos e escolares, mas sem perder de vista a necessidade de não deserotizá-lo.

Fonte: http://migre.me/25VYI

8 de mar. de 2009

Sugestão de Leitura Obrigatoria

Olá Amigos

Hoje estamos iniciando a semana com algumas sugestões de leitura, que são obrigatórias para os profissionais de educação que tem introduzido, ou pelo menos tentado, nas salas de aula por esse Brasil afora.

O texto são de autoria do Profº de Física Sergio F. Lima editor dos blogs "Blog e Fisica -Um blogue específico sobre Fí­sica e Educação" e do "Sergio Blog 2.4 - Fí­sica, Educação, Tecnologia e etc....". Fazemos parte da mesma lista de discussão sobre blogs educativos e onde tive a oportunidade de ter acesso aos textos, suas contribuições, considerações sempre precisas feitas por ele e na tarefa de sanar as duvidas dos outros colegas de lista.

Os textos indicados são:

Sobre o Cancer da Escola

Wikipedia e a Educação na Era da Informação

Tecnologia e Educação

Educação e Web 2.0

Recebi meu Notebook e agora o que faço com ele?
.

Um Kit minimalista de TICs para Professores

Esta série é composta das seguintes partes:

Novas Tecnologias versus Nova Escola

Além desses direcionados exclusivamente para profissionais de educação há um igualmente fantástico e útil que é o Como Estudar direcionado para os estudantes ou até mesmo professores.

Não deixe de ler os textos e fazer uma reflexão sobre toda a sua pratica e seus resultados, não somente índices de aprovação ou reprovação, mas o mais importante de todos: o seu índice de satisfação pessoal e profissional para ver se realmente não chegou a hora de mudar.

Abraços

Equipe NTE Itaperuna

10 de out. de 2008

Manifesto em Favor da Infância

“Quando eu voltar a ser criança”

Cavalinho-e-boneca-de-brinquedos

Há algum tempo temos vivido um fenômeno que se não for devidamente estudado e analisado pode, verdadeiramente, causar resultados nefastos para a infância no Brasil e no Mundo. A infância e a adolescência têm sido “queimadas” como etapas naturais vividas por todo e qualquer ser humano em favor de processos de maturação precoces. As crianças abandonaram as brincadeiras e passaram a se espelhar de forma totalmente prematura no cotidiano dos adultos que as rodeiam.

Não se brinca mais de carrinhos e de bonecas, não se joga mais bola ou pula-se amarelinha como fazíamos nos anos 1960 ou 1970. É certo que os brinquedos se modernizaram e que videogames ou computadores roubaram a cena, também é perceptível a força dos telefones celulares como novos fetiches da garotada, ansiosos por despertar junto a seus pares algum respeito e admiração.

O que não é admissível é a perda de tempo fundamental, de grande valor para a própria estruturação psíquica dos indivíduos, caracterizado pelas brincadeiras, pelos jogos, pelo companheirismo da infância e mesmo pela pureza e ingenuidade típicas de quem tem entre 7 e 12 anos de idade ou, um pouco além, daqueles que estão enfrentando a puberdade e todos os dramas relacionados a ela (e já sofrem antecipadamente em função do mercado de trabalho, do stress dos vestibulares, da pressão dos pais e da sociedade por resultados expressivos,...).

Por esse motivo, gostaria de aproveitar o espaço para lançar um manifesto em favor da infância (posteriormente pensarei em termos apropriados para a adolescência, essa fase tão especial e tão carente de “advogados de defesa”). A esse respeito abro mão de um editorial mais crítico e analítico em favor de um texto um pouco mais poético e engajado. Para tanto, faço uma singela lista de direitos básicos da infância:

Desenho-de-crianças-brincando

- Brincar é o mais sagrado de todos os direitos de qualquer criança do mundo. Espalhar peças de quebra-cabeças pelo chão da sala, chutar bola pelo jardim, montar casinhas imaginárias, brincar de escolinha com os amigos da vizinhança, subir nas árvores do bairro para se esconder ou catar frutas, empinar pipas, jogar videogame,... Tudo isso faz parte de uma infância inesquecível, daquelas que ninguém consegue apagar da memória, do tipo que abastece de felicidade qualquer infante e, de quebra, toda a família.

- Criar amigos e reinos imaginários onde o artista principal é a criança. Quem já não teve a feliz oportunidade de imaginar e dessa feliz ação fazer surgirem desenhos, pinturas, cartinhas e histórias incríveis que serão relembradas por anos e anos pelos pais e irmãos mais velhos? A criatividade que tanto queremos que nossos filhos ou alunos tenham quando chegarem a maturidade é despertada nessa fase, nesse estágio de desenvolvimento. Nem o melhor curso do mundo consegue tirar atrasos nesse quesito.

- Fazer amizades livremente (sem qualquer obstáculo criado pelos adultos). As crianças têm uma capacidade verdadeiramente maravilhosa de estabelecer contato e relações com outras crianças sem se importar com pormenores como situação sócio-econômica, raça, sexualidade, religião ou qualquer outro diferencial. Isso significa, na prática, que quem dificulta os intercâmbios são os adultos...

Mamãe-e-bebê

- Receber e dar afeto. Perdemos a cada dia a nossa capacidade de manifestar sentimentos e emoções, temos que reaprender essa possibilidade a partir de quem ainda carrega no coração os sentimentos desinteressados e puros, as crianças. Tantas e tantas vezes vejo situações em que os pais ou educadores deixam de estender a mão, de fazer um afago ou mesmo de confortar as crianças, deseducando-as, tornando-as frias e distantes, aumentando a indiferença que existe no mundo...

- Experimentar o mundo ao seu redor. A quantidade de oportunidades que existem ao redor de uma criança tende a estimular seus sentidos, alimentar suas esperanças, sedimentar seus conhecimentos. A única alternativa viável para que uma criança se sinta como um autêntico passageiro da nave-mãe que é o nosso planeta advém da possibilidade de explorar o que existe, desvendar o desconhecido, ultrapassar barreiras (especialmente aquelas que nós mesmos criamos para elas).

- Ler, assistir filmes e desenhos animados, se divertir com histórias em quadrinhos ou palavras cruzadas, ir ao teatro infantil, dançar e cantar, ou ainda, pintar quadros e esculpir. Ter acesso ao mundo da cultura, visitar bibliotecas ou exposições artísticas, ir a laboratórios e centros de pesquisa que estimulem a paixão pelas ciências e pelo conhecimento. Toda criança deveria ser incentivada a amar a produção cultural humana desde muito cedo.

Crianças-nadando

- Praticar esportes. Jogar vôlei, futebol e basquete. Aprender a nadar ou jogar xadrez. Correr, pular, saltar, andar de bicicleta. Há tantas possibilidades e, em todas elas, muita energia e saúde. Esporte deveria ser política pública prioritária, evitaria muitos e muitos problemas...

- Se alimentar com equilíbrio e sabor. Comer frutas e verduras. Dar cálcio ao corpo a partir do leite e dos derivados. Usufruir com moderação de alguns doces e carboidratos. De vez em quando comer alguns cachorros-quentes e hambúrgueres com batatas fritas e refrigerantes por que ninguém é de ferro e, pelo que se sabe, se não forem consumidos em excesso, não causam grandes males.

- Estudar e ir a escola também são direitos fundamentais de qualquer criança, ainda mais em um país como o nosso, onde há tantos menores sendo explorados pelas ruas das metrópoles ou em minas e plantações. Agora, faz-se primordial que essa educação seja qualificada e, acima de tudo, interessante e instigante. As crianças não gostam da escola quando essa é repetitiva e fútil, sem graça e sem sabor. Se incentivadas, essas mesmas crianças podem construir seu conhecimento e dar um novo rumo para suas vidas e mesmo para a de seus mestres.

- Para finalizar, diria que todas as crianças devem ter direito a felicidade. Esse último direito é prerrogativa essencial de todos os seres humanos e das crianças em particular. A realização do mesmo passa pelo respeito a sua integridade física, moral e emocional. A consecução da felicidade trafega por todos os direitos citados anteriormente, se consolida com uma estrutura familiar que dê suporte integral e vira realidade plena com a consciência por parte da sociedade quanto à importância e o valor da infância na vida de cada ser humano...

Obs.: Utilizo como subtítulo (“Quando eu voltar a ser criança”) o título de uma obra de referência para quem se importa com a infância e com a educação, da autoria de Janus Korczak.

João Luís de Almeida Machado Editor do Portal Planeta Educação; Doutorando em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=263

8 de out. de 2008

O prazer da leitura


Alfabetizar é ensinar a ler. A palavra alfabetizar vem de “alfabeto“. “Alfabeto“ é o conjunto das letras de uma língua, colocadas numa certa ordem. É a mesma coisa que “abecedário“. A palavra “alfabeto“ é formada com as duas primeiras letras do alfabeto grego: “alfa“ e “beta“. E “abecedário“, com a junção das quatro primeiras letras do nosso alfabeto: “a“, “b“, “c“ e “d“. Assim sendo, pensei a possibilidade engraçada de que “abecedarizar“, palavra inexistente, pudesse ser sinônima de “alfabetizar“...

“Alfabetizar“, palavra aparentemente inocente, contém uma teoria de como se aprende a ler. Aprende-se a ler aprendendo-se as letras do alfabeto. Primeiro as letras. Depois, juntando-se as letras, as sílabas. Depois, juntando-se as sílabas, aparecem as palavras...

E assim era. Lembro-me da criançada repetindo em coro, sob a regência da professora: “be a ba; be e be; be i bi; be o bo; be u bu“... Estou olhando para um cartão postal, miniatura de um dos cartazes que antigamente se usavam como tema de redação: uma menina cacheada, deitada de bruços sobre um divã, queixo apoiado na mão, tendo à sua frente um livro aberto onde se vê “fa“, “fe“, “fi“, “fo“, “fu“... (Centro de Referência do Professor, Centro de Memória, Praça da Liberdade, Belo Horizonte, MG.)

Se é assim que se ensina a ler, ensinando as letras, imagino que o ensino da música deveria se chamar “dorremizar“: aprender o dó, o ré, o mi... Juntam-se as notas e a música aparece! Posso imaginar, então, uma aula de iniciação musical em que os alunos ficassem repetindo as notas, sob a regência da professora, na esperança de que, da repetição das notas, a música aparecesse...

Todo mundo sabe que não é assim que se ensina música. A mãe pega o nenezinho e o embala, cantando uma canção de ninar. E o nenezinho entende a canção. O que o nenezinho ouve é a música, e não cada nota, separadamente! E a evidência da sua compreensão está no fato de que ele se tranquiliza e dorme – mesmo nada sabendo sobre notas! Eu aprendi a gostar de música clássica muito antes de saber as notas: minha mãe as tocava ao piano e elas ficaram gravadas na minha cabeça. Somente depois, já fascinado pela música, fui aprender as notas – porque queria tocar piano. A aprendizagem da música começa como percepção de uma totalidade – e nunca com o conhecimento das partes.

Isso é verdadeiro também sobre aprender a ler. Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que moram dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a estória. A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando alguém lê e a criança escuta com prazer. “Erotizada“ – sim, erotizada! – pelas delícias da leitura ouvida, a criança se volta para aqueles sinais misteriosos chamados letras. Deseja decifrá-los, compreendê-los – porque eles são a chave que abre o mundo das delícias que moram no livro! Deseja autonomia: ser capaz de chegar ao prazer do texto sem precisar da mediação da pessoa que o está lendo.

No primeiro momento as delícias do texto se encontram na fala do professor. Usando uma sugestão de Melanie Klein, o professor, no ato de ler para os seus alunos, é o “seio bom“, o mediador que liga o aluno ao prazer do texto. Confesso nunca ter tido prazer algum em aulas de gramática ou de análise sintática. Não foi nelas que aprendi as delícias da literatura. Mas me lembro com alegria das aulas de leitura. Na verdade, não eram aulas. Eram concertos. A professor lia, interpretava o texto, e nós ouvíamos extasiados. Ninguém falava. Antes de ler Monteiro Lobato, eu o ouvi. E o bom era que não havia provas sobre aquelas aulas. Era prazer puro. Existe uma incompatibilidade total entre a experiência prazerosa de leitura – experiência vagabunda! – e a experiência de ler a fim de responder questionários de interpretação e compreensão. Era sempre uma tristeza quando a professora fechava o livro...

Vejo, assim, a cena original: a mãe ou o pai, livro aberto, lendo para o filho... Essa experiência é o aperitivo que ficará para sempre guardado na memória afetiva da criança. Na ausência da mãe ou do pai a criança olhará para o livro com desejo e inveja. Desejo, porque ela quer experimentar as delícias que estão contidas nas palavras. E inveja, porque ela gostaria de ter o saber do pai e da mãe: eles são aqueles que têm a chave que abre as portas daquele mundo maravilhoso! Roland Barthes faz uso de uma linda metáfora poética para descrever o que ele desejava fazer, como professor: maternagem: continuar a fazer aquilo que a mãe faz. É isso mesmo: na escola, o professor deverá continuar o processo de leitura afetuosa. Ele lê: a criança ouve, extasiada! Seduzida, ela pedirá: “Por favor, me ensine! Eu quero poder entrar no livro por conta própria...“

Toda aprendizagem começa com um pedido. Se não houver o pedido, a aprendizagem não acontecerá. Há aquele velho ditado: “É fácil levar a égua até o meio do ribeirão. O difícil é convencer a égua a beber“. Traduzido pela Adélia Prado: “Não quero faca nem queijo. Quero é fome“. Metáfora para o professor: cozinheiro, Babette, que serve o aperitivo para que a criança tenha fome e deseje comer o texto...

Onde se encontra o prazer do texto? Onde se encontra o seu poder de seduzir? Tive a resposta para essa questão acidentalmente, sem que a tivesse procurado. Ele me disse que havia lido um lindo poema de Fernando Pessoa, e citou a primeira frase. Fiquei feliz porque eu também amava aquele poema. Aí ele começou a lê-lo. Estremeci. O poema – aquele poema que eu amava – estava horrível na sua leitura. As palavras que ele lia eram as palavras certas. Mas alguma coisa estava errada! A música estava errada! Todo texto tem dois elementos: as palavras, com o seu significado. E a música... Percebi, então, que todo texto literário se assemelha à música. Uma sonata de Mozart, por exemplo. A sua “letra“ está gravada no papel: as notas. Mas assim, escrita no papel, a sonata não existe como experiência estética. Está morta. É preciso que um intérprete dê vida às notas mortas. Martha Argerich, pianista suprema (sua interpretação do concerto n. 3 de Rachmaninoff me convenceu da superioridade das mulheres...) as toca: seus dedos deslizam leves, rápidos, vigorosos, vagarosos, suaves, nenhum deslize, nenhum tropeção: estamos possuídos pela beleza. A mesma partitura, as mesmas notas, nas mãos de um pianeiro: o toque é duro, sem leveza, tropeções, hesitações, esbarros, erros: é o horror, o desejo que o fim chegue logo.

Todo texto literário é uma partitura musical. As palavras são as notas. Se aquele que lê é um artista, se ele domina a técnica, se ele surfa sobre as palavras, se ele está possuído pelo texto – a beleza acontece. E o texto se apossa do corpo de quem ouve. Mas se aquele que lê não domina a técnica, se ele luta com as palavras, se ele não desliza sobre elas – a leitura não produz prazer: queremos que ela termine logo. Assim, quem ensina a ler, isto é, aquele que lê para que seus alunos tenham prazer no texto, tem de ser um artista. Só deveria ler aquele que está possuído pelo texto que lê. Por isso eu acho que deveria ser estabelecida em nossas escolas a prática de “concertos de leitura“. Se há concertos de música erudita, jazz e MPB – por que não concertos de leitura? Ouvindo, os alunos experimentarão os prazeres do ler. E acontecerá com a leitura o mesmo que acontece com a música: depois de ser picado pela sua beleza é impossível esquecer. Leitura é droga perigosa: vicia... Se os jovens não gostam de ler, a culpa não é deles. Foram forçados a aprender tantas coisas sobre os textos - gramática, usos da partícula “se“, dígrafos, encontros consonantais, análise sintática –que não houve tempo para serem iniciados na única coisa que importa: a beleza musical do texto literário: foi-lhes ensinada a anatomia morta do texto e não a sua erótica viva. Ler é fazer amor com as palavras. E essa transa literária se inicia antes que as crianças saibam os nomes das letras. Sem saber ler elas já são sensíveis à beleza. E a missão do professor? Mestre do kama-sutra da leitura...

Aperitivos

1. “Analfabeta não é a pessoa que não sabe ler. É a pessoa que, sabendo ler, não gosta de ler.“ (Quem foi que disse isso? Acho que foi o Mário Quintana).

2. A menininha de 9 anos me explicou como as crianças na sua escola aprendiam a ler: “Aqui na Escola da Ponte não aprendemos letras e silabas. Só aprendemos totalidades...“

3. Os compositores colocam em suas partituras indicações para orientar o intérprete: lento, presto, adagio, alegretto, forte, piano, ralentando. Os escritores deveriam fazer o mesmo com seus textos. Há textos que devem ser lidos lentamente, expressivamente, tristemente. Outros que exigem leveza, rapidez, riso. O leitor experiente não precisa dessas indicações. Mas elas poderiam ajudar os principiantes.

4. “Mais valem dois marimbondos voando que um na mão“ (Almanak do Aluá).

5. Graciliano Ramos relata que, quando menino, na escola lhe ensinaram um ditado: “Fale pouco e bem e ter-te-ão por alguém“. Ele repetia o ditado mas ficava com uma dúvida: “Quem será esse ‘Tertião’?“

Publicado no Correio Popular, Caderno C, 19/07/2001.

Fonte: http://www.rubemalves.com.br/oprazerdaleitura.htm