10 de out. de 2008

Manifesto em Favor da Infância

“Quando eu voltar a ser criança”

Cavalinho-e-boneca-de-brinquedos

Há algum tempo temos vivido um fenômeno que se não for devidamente estudado e analisado pode, verdadeiramente, causar resultados nefastos para a infância no Brasil e no Mundo. A infância e a adolescência têm sido “queimadas” como etapas naturais vividas por todo e qualquer ser humano em favor de processos de maturação precoces. As crianças abandonaram as brincadeiras e passaram a se espelhar de forma totalmente prematura no cotidiano dos adultos que as rodeiam.

Não se brinca mais de carrinhos e de bonecas, não se joga mais bola ou pula-se amarelinha como fazíamos nos anos 1960 ou 1970. É certo que os brinquedos se modernizaram e que videogames ou computadores roubaram a cena, também é perceptível a força dos telefones celulares como novos fetiches da garotada, ansiosos por despertar junto a seus pares algum respeito e admiração.

O que não é admissível é a perda de tempo fundamental, de grande valor para a própria estruturação psíquica dos indivíduos, caracterizado pelas brincadeiras, pelos jogos, pelo companheirismo da infância e mesmo pela pureza e ingenuidade típicas de quem tem entre 7 e 12 anos de idade ou, um pouco além, daqueles que estão enfrentando a puberdade e todos os dramas relacionados a ela (e já sofrem antecipadamente em função do mercado de trabalho, do stress dos vestibulares, da pressão dos pais e da sociedade por resultados expressivos,...).

Por esse motivo, gostaria de aproveitar o espaço para lançar um manifesto em favor da infância (posteriormente pensarei em termos apropriados para a adolescência, essa fase tão especial e tão carente de “advogados de defesa”). A esse respeito abro mão de um editorial mais crítico e analítico em favor de um texto um pouco mais poético e engajado. Para tanto, faço uma singela lista de direitos básicos da infância:

Desenho-de-crianças-brincando

- Brincar é o mais sagrado de todos os direitos de qualquer criança do mundo. Espalhar peças de quebra-cabeças pelo chão da sala, chutar bola pelo jardim, montar casinhas imaginárias, brincar de escolinha com os amigos da vizinhança, subir nas árvores do bairro para se esconder ou catar frutas, empinar pipas, jogar videogame,... Tudo isso faz parte de uma infância inesquecível, daquelas que ninguém consegue apagar da memória, do tipo que abastece de felicidade qualquer infante e, de quebra, toda a família.

- Criar amigos e reinos imaginários onde o artista principal é a criança. Quem já não teve a feliz oportunidade de imaginar e dessa feliz ação fazer surgirem desenhos, pinturas, cartinhas e histórias incríveis que serão relembradas por anos e anos pelos pais e irmãos mais velhos? A criatividade que tanto queremos que nossos filhos ou alunos tenham quando chegarem a maturidade é despertada nessa fase, nesse estágio de desenvolvimento. Nem o melhor curso do mundo consegue tirar atrasos nesse quesito.

- Fazer amizades livremente (sem qualquer obstáculo criado pelos adultos). As crianças têm uma capacidade verdadeiramente maravilhosa de estabelecer contato e relações com outras crianças sem se importar com pormenores como situação sócio-econômica, raça, sexualidade, religião ou qualquer outro diferencial. Isso significa, na prática, que quem dificulta os intercâmbios são os adultos...

Mamãe-e-bebê

- Receber e dar afeto. Perdemos a cada dia a nossa capacidade de manifestar sentimentos e emoções, temos que reaprender essa possibilidade a partir de quem ainda carrega no coração os sentimentos desinteressados e puros, as crianças. Tantas e tantas vezes vejo situações em que os pais ou educadores deixam de estender a mão, de fazer um afago ou mesmo de confortar as crianças, deseducando-as, tornando-as frias e distantes, aumentando a indiferença que existe no mundo...

- Experimentar o mundo ao seu redor. A quantidade de oportunidades que existem ao redor de uma criança tende a estimular seus sentidos, alimentar suas esperanças, sedimentar seus conhecimentos. A única alternativa viável para que uma criança se sinta como um autêntico passageiro da nave-mãe que é o nosso planeta advém da possibilidade de explorar o que existe, desvendar o desconhecido, ultrapassar barreiras (especialmente aquelas que nós mesmos criamos para elas).

- Ler, assistir filmes e desenhos animados, se divertir com histórias em quadrinhos ou palavras cruzadas, ir ao teatro infantil, dançar e cantar, ou ainda, pintar quadros e esculpir. Ter acesso ao mundo da cultura, visitar bibliotecas ou exposições artísticas, ir a laboratórios e centros de pesquisa que estimulem a paixão pelas ciências e pelo conhecimento. Toda criança deveria ser incentivada a amar a produção cultural humana desde muito cedo.

Crianças-nadando

- Praticar esportes. Jogar vôlei, futebol e basquete. Aprender a nadar ou jogar xadrez. Correr, pular, saltar, andar de bicicleta. Há tantas possibilidades e, em todas elas, muita energia e saúde. Esporte deveria ser política pública prioritária, evitaria muitos e muitos problemas...

- Se alimentar com equilíbrio e sabor. Comer frutas e verduras. Dar cálcio ao corpo a partir do leite e dos derivados. Usufruir com moderação de alguns doces e carboidratos. De vez em quando comer alguns cachorros-quentes e hambúrgueres com batatas fritas e refrigerantes por que ninguém é de ferro e, pelo que se sabe, se não forem consumidos em excesso, não causam grandes males.

- Estudar e ir a escola também são direitos fundamentais de qualquer criança, ainda mais em um país como o nosso, onde há tantos menores sendo explorados pelas ruas das metrópoles ou em minas e plantações. Agora, faz-se primordial que essa educação seja qualificada e, acima de tudo, interessante e instigante. As crianças não gostam da escola quando essa é repetitiva e fútil, sem graça e sem sabor. Se incentivadas, essas mesmas crianças podem construir seu conhecimento e dar um novo rumo para suas vidas e mesmo para a de seus mestres.

- Para finalizar, diria que todas as crianças devem ter direito a felicidade. Esse último direito é prerrogativa essencial de todos os seres humanos e das crianças em particular. A realização do mesmo passa pelo respeito a sua integridade física, moral e emocional. A consecução da felicidade trafega por todos os direitos citados anteriormente, se consolida com uma estrutura familiar que dê suporte integral e vira realidade plena com a consciência por parte da sociedade quanto à importância e o valor da infância na vida de cada ser humano...

Obs.: Utilizo como subtítulo (“Quando eu voltar a ser criança”) o título de uma obra de referência para quem se importa com a infância e com a educação, da autoria de Janus Korczak.

João Luís de Almeida Machado Editor do Portal Planeta Educação; Doutorando em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=263

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