Antônio Gois
É muito comum ouvir alguém com mais de 40 anos dizer, com tom nostálgico, que a escola pública "do meu tempo" tinha qualidade, que os professores ensinavam para valer, que os alunos tinham disciplina ou que as escolas particulares eram uma opção apenas para os alunos mais fracos.
Muitas dessas afirmações são verdadeiras, outras exageradas. O fato é que não se pode comparar a escola pública de hoje e a "daquele tempo" sem levar em conta que, no passado, essa escola era para poucos.
Uma pesquisa divulgada nesta semana pelo IBGE (www.ibge.gov.br) dá bem uma noção de como a escola pública era um privilégio de poucos no passado.
Segundo o IBGE, em 1940, o Brasil tinha 3,3 milhões de estudantes no primário, secundário e técnico (equivalentes hoje ao ensino fundamental e médio). O número de brasileiros em idade para estudar em um desses níveis de ensino, no entanto, era muito maior: 15,5 milhões de pessoas de 5 a 19 anos de idade.
Isso significa que os estudantes efetivamente na escola representavam apenas 21% da população em idade escolar. Em 1960, essa porcentagem subiu para 31%, mas continuou muito baixa. Somente em 1998 o país chegou próximo de ter todos os jovens e crianças na escola: 86%.
Para não ficar só nos números, qualquer pessoa pode comparar o elitismo da escola pública no passado comparando fotos. Reparem só como as fotos de escolas públicas do passado apresentam apenas crianças de cor branca, bem vestidas, com uniformes impecáveis.
Hoje, felizmente, a escola pública, pelo menos no ensino fundamental, se massificou. Nela, há pobres, pretos, filhos de analfabetos, enfim, crianças que não encontravam lugar na escola "daquele tempo".
Apesar de não haver estatísticas que possam comprovar essa tese, é bem provável que a escola pública tenha mesmo perdido qualidade. Isso aconteceu quando ela teve que abrir as portas para a população mais pobre. Quando ficou democrática, do ponto de vista do acesso, ela perdeu também em qualidade.
Hoje, o grande desafio é garantir qualidade para todos. Impedir, por exemplo, que as crianças cheguem à quarta série sem saber ler e escrever. E antes que alguém coloque a culpa no sistema de ciclos (onde não há reprovação todo ano), vale dizer que ele existe apenas a partir da década de 90 e representa existe em pouco mais de 10% do total de escolas. Nossas crianças não estão aprendendo, seja em ciclos, seja em sistemas seriados, seja em qualquer outro sistema que tenha sido massificado.
A comparação com o passado é desejável quando se acredita que é possível voltar a ter qualidade na escola pública. É preciso tomar cuidado, no entanto, para não deixar de considerar que estamos comparando duas escolas bem diferentes. Uma que, no passado, atendia aos ricos e outra que, atualmente, atende a todos.
Para resumir, eu simplificaria a questão dizendo que nosso sistema público melhorou muito porque passou a atender a todos, mas falhou ao não conseguir manter para esses novos estudantes a mesma qualidade do ensino que dava aos filhos da elite no passado.
Nota sobre o autor: Antônio Gois é repórter da Folha de S.Paulo.
Fonte: http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/a_gois/index.htm
4 comentários:
Por isso que eu gosto deste blog, sempre tem informações úteis para nós professores ;-)
Já fazia um tempo que eu fazia este questionamento: a escola melhorou o piorou? Este post traz a resposta mais sensata que já ouvi.
Realmente, houve uma massificação, sem que a qualidade do ensino tivesse melhorado na mesma medida.
A questão que fica agora é: como melhorar a qualidade com tamanho grau de heterogeneidade em sala de aula?Valeu, Robson. Um abraço
Outra: a imagem está com link quebrado!
Oi, Robson!
Acho que a escola pública, democrática, aberta a toda a gurizada, ainda, dá aulas para aquela elite dos anos 40: interessada, apenas, em preparar os alunos para ocupar profissões de prestígio ou para entrar para a universidade... Temos que desvelar novos olhares para a escola pública!
Nossos alunos são filhos de famílias sem acesso à saúde, à moradia digna, à segurança, à emprego digno... livros, filmes, teatro, nem pensar...
É com essa galerinha que temos que aprender e ensinar...
E lutar para que a desigualdade diminua... buscando alternativas, numa sociedade bastante contraditória.
Abraços!
É, bicho. Gostei da imagem... Mas não é do meu tempo, não, hehehe. Obs.: Parece o Steve Jobs com o primeiro Macintosh. Um abraço.
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