28 de fev. de 2009

Diários de Motocicleta

"Sem perder a ternura jamais"

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Um filme simplesmente inesquecível. Daqueles que depois de vistos ficam em nossa memória como referência obrigatória. Essa é a sina de “Diários de Motocicleta”, a elogiadíssima e premiada produção internacional dirigida pelo brasileiro Walter Salles. Filme inspirado nos diários de viagem de Alberto Granado e Ernesto ‘Che’ Guevara, experiência essa vivida antes do surgimento do emblemático líder revolucionário que comandou ao lado de Fidel Castro a Revolução Cubana.

E é justamente nesse ponto específico da vida de Guevara que vemos surgir a centelha revolucionária que irá alimentar os sonhos do guerrilheiro que lutou na América Latina e no continente africano. A viagem iniciada em Buenos Aires percorre as trilhas e caminhos belíssimos de um continente pouco conhecido pela maioria das pessoas que mora por aqui, na América do Sul.

Desvela também o acentuado desnível social que assola praticamente todos os países da região. Da Argentina a Venezuela, quase todos os povos recebem a ilustre visita de Guevara, ainda que naquele momento ele ainda fosse apenas um jovem aspirante ao título de medicina e não tivesse a mínima idéia de quem iria se tornar num futuro muito próximo.

O contato com essa realidade díspar, marcada pelos traços sofridos do povo e pela opulência das multinacionais e de seus sócios locais desperta um sentimento incontido de revolta e indignação por parte do jovem Ernesto e de Alberto, seu companheiro de viagem. O que deveria ser uma trilha alegre, típica de mochileiros em busca de aventura, fortes emoções e paisagens deslumbrantes, acaba se tornando a certidão de nascimento de um líder guerrilheiro socialista que iria revolucionar em sua breve passagem por esta terra todas as gerações posteriores.

A “poderosa”, nome dado à motocicleta que utilizaram em parte da viagem se desmantela ao longo do caminho e vira sucata. Parece até uma alegoria, uma figura de linguagem utilizada por Walter Salles para demonstrar o fim do sonho burguês a partir do ponto de vista de Guevara. A história da viagem registrada nos diários de Alberto e Ernesto nos mostra que poeticamente a transformação da “poderosa” em sucata realmente aconteceu e que, a partir desse momento, caminhando pelas rotas traçadas em seu mapa, os viajantes puderam reconhecer e identificar com muito maior clareza o povo latino-americano, nas suas carências e também em suas esperanças.

Por que, se por um lado os sulcos cravados na terra e no rosto desses pobres camponeses ou mineiros demonstram o empobrecimento material e toda a carestia pela qual passavam, por outro, a atitude altiva, a disposição para a luta cotidiana, o brilho incontido dos olhares e a fé inabalável em dias melhores é, igualmente, característica permanente entre chilenos, argentinos, bolivianos, peruanos,...

Filme de cabeceira é o termo que utilizo para falar a respeito da filmografia que inspira minha vida. “Diários de Motocicleta” veio a se incorporar a essa restrita coletânea e abrilhantar os sonhos de todos aqueles que, como o ‘Che’ (e também esse humilde escriba que lhes dirige essas palavras), acreditam que o futuro pode ser muito mais justo, harmonioso e próspero para todos...

O Filme

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Prestes a completar seus estudos na faculdade de medicina, o jovem Ernesto Guevara de La Serna (Gael Garcia Bernal, em atuação memorável) se une ao amigo Alberto Granado (Rodrigo de La Serna, seguro e convincente) para a realização de um sonho, cruzar o território sul-americano com mochilas nas costas, montados numa motocicleta.

Saem de Buenos Aires em direção ao sul da Argentina, para a gélida região da Patagônia, onde irão visitar a namorada de Ernesto e depois cruzar as fronteiras que separam o seu país de nascimento do Chile. As despedidas do casal de namorados tendo ao fundo a belíssima paisagem da região marcam o fim de uma era, tanto para Ernesto quanto para Alberto.

Ficam para trás a comodidade e a segurança de toda uma existência burguesa, na Argentina, um dos países mais desenvolvidos da região (que, como todos os outros também apresenta grandes diversidades e focos de pobreza), e os dois aventureiros passam a ter, a sua frente, apenas o mapa pontilhado de cidades e estradas, pelas quais nem sequer imaginavam o que iriam encontrar.

O tracejado mapa esconde rotas poeirentas, cidades pequenas, regiões de mineração, cidades grandes com seus mercadores espalhados pelas ruas, cinturões agrícolas produzindo para mercados distantes, grandes empresas de capital estrangeiro em busca de altos lucros, governos pouco interessados nos problemas de seus povos e, acima de tudo, uma população carente em termos materiais, mas rica em seus sonhos e esperanças.

O encontro com essa realidade sofrida da população de vários países revela tanto para Ernesto quanto para Alberto a necessidade de uma maior intervenção das classes socialmente esclarecidas em favor de mudanças imediatas e autenticamente radicais. Ao cruzar desertos, estradas, cidades e rios, tanto Guevara quanto Granado se transformam completamente, deixam de lado toda ingenuidade e candura que um dia tiveram e percebem a verdade dos fatos escondidos aos olhos da grande maioria das pessoas.

A percepção da pobreza, da fome e do descaso das autoridades os mobiliza a alterar os rumos de suas vidas...

Filme belíssimo, de história enternecedora, “Diários de Motocicleta” nos convida ao longo de toda a sua projeção a rever nossos sonhos e ideais, nos mobiliza para a luta que prossegue, alimenta a alma e o corpo, justamente como tanto queria o ‘Che’...

Aos Professores

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1- Gosto muito de acreditar que “o sonho não acabou”. Procuro acordar todas as manhãs levando comigo essa convicção, de que é possível tornar o mundo melhor, muito mais justo, íntegro e digno. Tenho minhas referências pessoais em termos de pessoas que se mobilizaram em suas vidas pela construção de ideais de solidariedade, fraternidade, tolerância, paz e amor. Nem tudo que essas pessoas fizeram ou produziram constituem verdades absolutas para mim, procuro pensar nas mesmas como seres humanos, capazes de grandes feitos e também de erros, como eu ou vocês. ‘Che’ Guevara faz parte dessa lista (apesar de não estarmos tão sintonizados politicamente) ao lado de Gandhi, Martin Luther King, Charles Chaplin e, de forma diferenciada, Jesus Cristo. Falamos muito pouco de nossas convicções e de nossos ideais. Parecemos muito mais dispostos a crítica vazia, sem fundamentação e argumentos. Temos que repensar essa postura, apostar em atitudes mais construtivas e práticas, dispor nossos estudantes a reformar o mundo, a renovar o amanhã. Só assim os sonhos se tornarão realidade. Só assim poderemos dormir o autêntico sono dos justos...

2- A Revolução Cubana já foi muito estudada em décadas anteriores. Atualmente ela está um tanto quanto esquecida nos currículos escolares. Não se trata simplesmente de buscar as informações históricas, mas, muito além delas, perceber o que significa o socialismo na prática, com seus problemas e riquezas, suas incertezas e realizações. Que tal recolocar esse tema em pauta para a realização de um projeto?

3- Biografias são significativas para o estudo da história, da sociologia, da filosofia e também para a compreensão da alma e corpo de povos e culturas. Somos herdeiros de ricas heranças legadas por líderes, artistas, esportistas, literatos, cineastas, educadores e cientistas (entre tantas áreas de atuação e realização). Um exame atento da vida desses expoentes pode auxiliar nossos estudantes na compreensão de nossas raízes e matrizes. Que tal organizar uma mostra de filmes com personagens históricos de vulto? O início dessa mostra poderia conter histórias como a de ‘Che’ Guevara, Gandhi, Jesus Cristo, Chaplin, Vargas, Pelé,...

4- A sala de aula é local de construção de conhecimentos. Disso nenhum educador duvida. Só que nosso trabalho vai muito além, atingindo, inclusive, a formação ética, cidadã e de caráter de nossos educandos. Quando trabalhamos a história, a literatura, as artes, a geografia, as ciências ou a matemática com exemplos de vidas dedicadas a essas nobres áreas de estudo, pesquisa e atuação, damos aos estudantes subsídios valiosos para que se consolidem entre eles os valores que almejamos para a sociedade. Poderíamos tentar tornar as aulas ainda mais interessantes se incluíssemos aos nossos conteúdos a vivência desses personagens notáveis. O que acham? Ao falar de física poderíamos contar um pouco da vida de Einstein, em geografia deveríamos lembrar o mestre Milton Santos, em literatura temos que referenciar nossas explicações em expoentes como Machado de Assis, em artes não podemos deixar de lembrar de Monet ou Picasso,...

Obs.: Outro trabalho interessante a ser realizado com o apoio do filme “Diários de Motocicleta” pode ser um mapeamento da rota trilhada por Guevara e Granado e suas peculiaridades geográficas, tanto no aspecto físico quanto econômico e social.

Ficha Técnica

Diários de Motocicleta
(The Motorcycle Diaries)

País/Ano de produção: EUA, 2004
Duração/Gênero: 128 min., Drama
Direção de Walter Salles Jr.
Roteiro de Jose Rivera, baseado nos livros de
Alberto Granado e Ernesto ‘Che’ Guevara
Elenco: Gael Garcia Bernal, Rodrigo de La Serna, Mía Maestro, Susana
Lanteri, Mercedes Morán, Jean Pierre Nohen, Gustavo Pastorin.

Links
- http://www.cinemaemcena.com.br/FICHA_FILME.ASPX?ID_FILME=1543&aba=detalhe
-http://www.adorocinema.com.br/filmes/diarios-de-motocicleta/diarios-de-motocicleta.asp
- http://www.motorcyclediariesmovie.com/sp/home.html (site oficial)

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João Luís de Almeida Machado Editor do Portal Planeta Educação; Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=376

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