27 de fev. de 2009

O professor está sempre errado


A capacidade de admitir falhas em sala de aula é fundamental para o professor, e ao contrário do que se imagina, pode até melhorar a relação com seus alunos. Um pequeno ensaio sobre a atividade docente e a falibilidade humana.

Por Sthefan Berwanger

Lembro que a alguns anos, logo que comecei a dar aulas nos cursos Superiores de Tecnologia, entrei na sala dos professores, e me deparei com o seguinte texto afixado na parede, cujo título tomei emprestado, e abaixo reproduzo integralmente:

O Professor Está Sempre Errado

Quando…
É jovem, não tem experiência.
É velho, está superado.
Não tem automóvel, é um coitado.
Tem automóvel, chora de ‘barriga cheia’.
Fala em voz alta, vive gritando.
Fala em tom normal, ninguém escuta.
Não falta às aulas, é um “Caxias”.
Precisa faltar, é ‘turista’.
Conversa com os outros professores, está “malhando” os alunos.
Não conversa, é um desligado.
Dá muita matéria, não tem dó dos alunos.
Dá pouca matéria, não prepara os alunos.
Brinca com a turma, é metido a engraçado.
Não brinca com a turma, é um chato.
Chama à atenção, é um grosso.
Não chama à atenção, não sabe se impor.
A prova é longa, não dá tempo.
A prova é curta, tira as chances do aluno.
Escreve muito, não explica.
Explica muito, o caderno não tem nada.
Fala corretamente, ninguém entende.
Fala a ‘língua’ do aluno, não tem vocabulário.
Exige, é rude.
Elogia, é debochado.
O aluno é reprovado, é perseguição.
O aluno é aprovado, ‘deu mole’.
É, o professor está sempre errado mas, se
você conseguiu ler até aqui, agradeça a ele!”

(fonte - Revista do Professor de Matemática, no.36,1998.)

Tinha achado sensacional o que tinha acabado de ler! Era dia do professor e alguém ali fixou o texto. Peguei uma cópia e fiz outras tantas cópias, para distribuir entre os meus alunos do curso.

Então um deles me falou: “E aí professor hoje é o seu dia! Vamos tomar uma gelada lá na ‘padoca’ (padaria) depois da aula?”. Por um momento pensei que não seria mal, porém ponderei que, a partir do momento em que me formei e passei a dar aulas, percebi que tinha passado para o outro lado da trincheira. Agora era o profissional, o professor, e tinha que ter algum distanciamento, então capitulei o convite.

No texto supracitado, a primeira sentença já me parecia endereçada: “É jovem, não tem experiência”. Como eram as minhas primeiras aulas na graduação, certamente perceberam que se tratava de um iniciante, estava tenso, hesitante. Não que me importasse sobre o que pensavam, mas que era intimidador encarar pela primeira vez quase 40 alunos, a isso era. Fora o choque de ouvir alguns alunos na casa dos 40 ou 50 anos me chamando de “senhor”. Onde estavam mesmo minhas barbas brancas?

Nem tão racional, nem tão emocional. Nem tão libertário, nem tão autoritário. Cada profissional descobre seu equilíbrio entre cada uma das sentenças em oposição com o passar dos anos. Alguns colegas, talvez por orgulho, não aprendem, de que é preciso se adaptar, ter bom senso, ser flexível.

Mas o que fazer com esta sentença?

“Não tem automóvel, é um coitado.
Tem automóvel, chora de ‘barriga cheia’.”

Talvez nesse caso a solução seja comprar uma bicicleta, não?

Admitir as falhas é o melhor caminho

Desde que iniciei a carreira como docente até os dias de hoje, ocorreram situações constrangedoras onde cometi erros em sala de aula, tanto erros conceituais ligadas à matéria, como por esquecimento de passagens pelo meio do caminho. Muitas vezes eu mesmo percebia o erro e logo corrigia, ou acontecia o caso mais embaraçoso, quando um aluno me corrigia.

Já ocorreu até mesmo de eu ter errado o enunciado de uma prova, e vou dizer aqui: este tema, sobre falhas em sala de aula, por vezes, é encarado como tabu entre nós professores. Pelo menos em minha experiência no ensino superior, nunca se conversou sobre o assunto abertamente, nem mesmo em reuniões pedagógicas como forma de troca de experiências. Os “pecados” em sala de aula, quando muito, são confessados somente aos colegas mais próximos. De certa forma é uma atitude natural, afinal as pessoas preferem se resguardar.

Cada indivíduo tem uma reação diferente quando erra, mas posso dizer por experiência própria que admitir o erro perante os alunos é bem mais nobre, além de reverter o jogo a seu favor. Eles sabem que dentro da sala o professor é a entidade que detém o conhecimento e a experiência, e que devem respeitá-lo por isso. Admitir o erro, neste caso, é uma demonstração de humildade, atenua o constrangimento e reforça sua condição humana sujeita a falhas.

Por outro lado, os erros cometidos pelo docente começam a ser um problema quando passam a ser freqüentes, então chega o momento de refletir se a disciplina é adequada ao seu perfil, se realmente gosta do ofício. Sobrecarga devido ao excesso de atividades gera cansaço, stress e falta de tempo para o planejamento, tornando as falhas constantes no momento de conduzir a aula. Dessa forma, a credibilidade do docente e da instituição que representa, ficam comprometidas.

A necessidade da adaptaçãoOs alunos trocam muitas informações. Qualquer deslize de um professor não tão popular pode ser bastante amplificado. Quando precisam lembrar de seus direitos, eles têm o discurso na ponta da língua: O direito das aulas começarem pontualmente e terminarem no horário determinado, de ter um professor qualificado que não falte, das instalações da instituição estarem em dia.

Então rebato com os seus respectivos deveres de: comparecer pontualmente às aulas, não sair antes que se encerre salvo em casos excepcionais, não enforcar as sextas-feiras no bar, estudar e não bagunçar as aulas, respeitar o professor e demais funcionários da instituição, respeitar os colegas de aula, não depredar a instituição. E eis que surge o silêncio total em sala de aula…

Aproveito para desfazer uma ilusão junto aos que desejam seguir o ofício. Logo que comecei, achava que todas as turmas seriam iguais: haveria uma proporção x% de alunos estudiosos, uma proporção y% de bagunceiros e assim por diante. Ledo engano, cada turma tem seu “DNA”, ou como me disse um colega certa vez: cada turma é como um cafezinho com proporções diferentes de água pó e açúcar. A impressão é de que se forma uma “alma coletiva”, e mesmo turmas do mesmo curso no mesmo Campus podem ser bem diferentes.

Portanto, a capacidade de adaptação a este “DNA”, principalmente em ambientes mais hostis, é o diferencial. Naturalmente não estou falando em facilitar o lado dos alunos nos casos mais difíceis, e nem precisa. Um dos papéis do coordenador de curso é justamente o de auxiliar professores em apuros. Hoje em dia onde tantos ventos sopram ao contrário, é bom ter cautela, faz bem à sua saúde, e ao seu salário no fim do mês.

Reforçando a idéia, cito o educador brasileiro Paulo Freire que em uma de sua obras escreve o seguinte:

“ensinar exige respeito aos saberes dos educandos, ensinar exige bom senso, ensinar exige humildade, tolerância e luta pelos direitos dos educadores, ensinar exige saber escutar, ensinar exige liberdade e autoridade”.

Para finalizar, caros colegas educadores de todos os níveis de ensino, sugiro que distribuam os singelos versos do texto inicial aos seus educandos, adicionando antes duas linhas que acho pertinente:

“O Professor Está Sempre Errado

Quando…
Erra a matéria, é um despreparado
Não erra a matéria, é porque decorou que nem papagaio”

Boa aula!

Sobre o Autor: Sthefan Berwanger (sthefan.berwanger@xporcento.com.br) é responsável pela área de BI da X Porcento e é professor do programa de pós-graduação pela Faculdade Impacta Tecnologia.

Fonte: http://webinsider.uol.com.br/index.php/2008/02/15/o-professor-esta-sempre-errado/

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