6 de mar. de 2010

Pro dia nascer feliz


A educação brasileira em fotogramas


Duas-meninas-morenas-à-frente-da-escola
 
Em 1960 o Brasil tinha, aproximadamente, 14 milhões de crianças e adolescentes em idade escolar. Deste total, apenas 50% conseguia ter acesso à educação... A publicidade oficial da época, ciente do fato, criou propaganda através da qual falava da necessidade deste contingente de excluídos da escola chegar às salas de aula e como isto melhoraria a vida do país... Acreditava-se piamente que o caminho mais certo para o desenvolvimento político, social e econômico passava pelas vias escolares...
"Pro Dia Nascer Feliz", documentário de João Jardim, produzido entre os anos de 2005 e 2006, procura dar uma visão do que ocorreu mais de 40 anos depois, quando os dados oficiais nos dizem que 97% das crianças e adolescentes em idade escolar estão tendo a oportunidade de estudar. Para tanto, o diretor e sua equipe de produção se propuseram a acompanhar a realidade de seis unidades educacionais, localizadas em diferentes estados brasileiros, todas equiparadas apenas pelo fato de serem escolas públicas.
Este "retrato" da educação brasileira, com apenas três anos, constitui documento de valor inestimável para entendermos um pouco da realidade das escolas do país, de suas carências materiais às dificuldades de trabalho dos professores, da impossibilidade de chegar às escolas por falta de transporte à arcaica e ideologizada metodologia de ensino.
Ao assistirmos ao filme, o que salta aos olhos é, a princípio, a carência material e infraestrutura precária das escolas (exceto no caso da escola de São Paulo). Em quase 2 mil unidades educacionais do país (num universo de 210 mil escolas), conforme dados do MEC/INEP (2004), não há água encanada. Se não bastasse este dado alarmante, há ainda 13,7 mil escolas em que não há banheiros... Paredes sujas, carteiras jogadas no pátio ou nos cantos e ausência de qualquer tipo de instalação de apoio, suporte ou incentivo ao estudo - como quadras, laboratórios e salas de computação, além de grades por todos os lados dão uma ideia do descalabro da educação.
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O que era para ser um ambiente acolhedor, motivador, que criasse uma experiência instigante, interessante e desafiadora para os alunos em seu processo de construção do conhecimento torna-se, então, um espaço que, ao contrário, rechaça, dificulta e acaba, na realidade, promovendo a evasão, o desinteresse, a vontade de não estudar...
Há também o descompromisso dos pais e da comunidade... As escolas não lhes apetecem, não são vistas por eles como parte primordial do núcleo onde residem... Os filhos devem frequentá-la, pois há um compromisso social assumido e, ainda, persiste a ideia de que isto pode lhes ser útil no futuro. A ilusão de que tudo mudará a partir da educação não existe mais, pelo menos não da forma como foi trabalhada há 40 anos pelos governos da época.
Como a comunidade está ausente, abre-se espaço para que outras forças se façam presente. É o que se vê no Rio de Janeiro (e em regiões periféricas de cidades de médio e grande porte), onde quem dá as cartas é, muitas vezes, o traficante local. A força destes marginais oprime os professores e dá demonstrações aos adolescentes e jovens de que o estudo, por si só, não lhes garante nada, enquanto a venda de drogas e a manipulação de armas de fogo podem lhes conferir poder, dinheiro, respeito, temor por parte de seus pares...
O documentário igualmente prima por nos colocar em contato com a fala dos alunos e dos professores. Dos estudantes percebemos a violência e a rudeza que surgem da necessidade de sobreviver em ambiente no qual não há espaço para a candura, a inocência ou a bondade e o respeito pelo próximo. Quanto mais urbana é a escola, maior é a competição feroz e o medo que acaba por se estabelecer - a exceção é a escola paulistana, na qual os pais de classe média, com melhor situação social, dão a seus filhos melhores condições e estímulo quanto ao estudo (o que é corroborado pelo mercado de trabalho competitivo e seletivo que encontrarão depois de formados).
Jovens-conversando-e-rindo-muito

A fala dos estudantes, quanto mais pobre e sem perspectivas é a escola, demonstra o quanto sua educação é fraca, desprovida de maiores elementos culturais, pautada apenas em bases primárias. Há exceções, é claro, como a garota que se encantou desde cedo com os livros de Vinícius de Morais, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade... O que, de certo modo, demonstra o quanto a leitura faz diferença na vida de uma pessoa...
Quanto aos professores, nos rincões do país, faltam-lhes melhor formação e condições de trabalho. Seus salários são baixos, seus equipamentos de trabalho são escassos, sua motivação é igualmente rara e, se não fosse a necessidade de se manter, é possível que muitos viessem a desistir. Mas, como dizia Euclides da Cunha "o sertanejo é um forte", o que vale tanto para estes professores quanto para seus alunos.
Nas áreas urbanas, por sua vez, novamente excetuando a escola de classe média paulistana, o que se percebe muito forte é o descontentamento, a falta de perspectivas, as condições pouco apropriadas para o trabalho e a perda de engajamento e amor à profissão... Muitos professores faltam de forma abusiva (contabiliza-se, segundo dados da rede estadual paulista para o Ensino Médio, até 30 faltas por docente a cada ano), tantos outros daqueles que vão cumprem o básico (batem o cartão, literalmente) e há ainda, felizmente, os heróis da resistência que continuam a acreditar na educação e trabalham com afinco. Não deixaram de ser críticos, demonstram algum ceticismo, mas não bateram em retirada e tampouco esmoreceram...
De qualquer modo, "Pro Dia Nascer Feliz" deveria ser obra obrigatória nas escolas, comunidades e, também, pré-requisito para todos os políticos brasileiros que estão exercendo mandato ou que futuramente estarão... Quem sabe assim eles não criam vergonha na cara e realmente se mexam para que as escolas deste país não apenas tenham suas salas cheias de alunos, mas que também possam oferecer educação de qualidade!
Cartaz-de-Pro-Dia-Nascer-Feliz
Ficha Técnica
Pro dia nascer feliz

País/Ano de produção: Brasil, 2006
Duração/Gênero: 88 min., Documentário
Direção de João Jardim
Roteiro de João Jardim

Links
http://www.adorocinema.com/filmes/pro-dia-nascer-feliz
http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=12482
http://www.cinerevista.com.br/nacional/Prodianascerfeliz.htm
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João Luís de Almeida Machado Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=1679

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