Santos-Dumont inventou o avião porque acreditava que se as pessoas pudessem viajar e conhecer outras culturas com mais facilidade, veriam que não somos tão diferentes assim e não haveria mais guerras.
A internet foi inventada por um comodismo, para facilitar a transferência de arquivos entre dois pontos. Curiosamente, é exatamente esta característica que as grandes corporações lutam para combater.
A web não tem um berço nobre como o avião mas teve uma boa criação e tem um bom coração. É esta quebra de fronteiras, tão sonhada por Santos-Dumont, que torna a web este local tão atraente para muitos.
Imagine there’s no countries
It isn’t hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace
John Lennon
Imagine (trecho).
A web retira automaticamente o pré judice, onde a cor da pele, a marca da roupa, a localização geográfica e às vezes até mesmo o idioma não importam mais. Isso faz da web o ambiente mais humano que nós já conseguimos criar.
Não é a tecnologia, é este aspecto humano que tanto fascina os seus alunos.
Qualquer ferramenta online tem relacionamento como pedra fundamental. O email serve para uma comunicação pessoal. Os sites, mesmo os de empresa, expõem opiniões e sonhos da mesma forma que as meninas de nosso tempo faziam em diários. Os blogs se diferenciam justamente pela possibilidade de interação com o visitante. As ferramentas de relacionamento, como o Orkut ou o Twitter se colocam, obviamente, como um instrumental relevante.
Não há possibilidade de compreensão da web e seus ambientes sem colocar o ser humano no centro. A web é antropocêntrica por natureza.
A web é rica e heterogênea, portanto. Nada é feito por humanos sem ser um reflexo de nós mesmos. Nossas criações são imagem e semelhança de nós mesmos.
É comum ouvirmos “na web encontra-se de tudo”. Sim, na humanidade também.
O ser humano constrói máquinas incríveis e depois precisa domá-las. Não sei se alguém aqui já tentou, mas dirigir um trator é dificílimo e tem poucos controles a mais que um carro comum. É natural que quanto mais variáveis, mais difícil é o aprendizado da tecnologia/máquina.
Vocês passaram a vida estudando as suas matérias. São especialistas e professores de áreas muito mais complexas do que a internet. As ferramentas online são mais fáceis e intuitivas do que coisas estranhas como oração subordinada ou física quântica.
Nós somos mais inteligentes do que a máquina.
Acredito que todos os leitores, mesmo que não usem muito, tenham um endereço de email. Email é fácil de usar, é como uma carta, nossa velha conhecida, mas e quando o recurso começa a gastar mais neurônios do que estamos dispostos a ceder?
O erro, na maioria das vezes, é do desenvolvedor. As ferramentas deveriam ser simples e fáceis de usar.
As ferramentas que começam a se mostrar muito complexas são fadadas a sobreviver apenas dentro de um seleto grupo de nerds/geeks e não se tornará popular. Até mesmo aquelas que são “fenômenos” (de acordo com a imprensa, pelo menos) de audiência seguem esta simples regra. O fiasco que se tornou o Second Life ou a WebTV são bons exemplos disso; ou ainda o domínio do Google onde antes reinavam Yahoo, Altavista e Cadê?; ou, por último, a simplicidade do i-pod.
O simples sempre vence.
Então, se o seu aluno fala sobre algo muito complexo, difícil de usar, inacessível, não se preocupe: a moda passará rapidamente ou não se tornará consolidada até que melhore sua interface. O inverso também é verdadeiro: se o seu aluno falar sobre algo com uma interface simples, a poucos cliques de distância, pode ter a certeza de que mesmo que você não entenda a utilidade ou a função da ferramenta, esta vai ser bem sucedida.
Existem, naturalmente, ferramentas óbvias como VOIP (voice over ip, ex: Skype) que fazem exatamente aquilo que você imagina.
O seu aluno é capaz de aprender coisas estranhas como equação de segundo grau. Algo como o Twitter é mais simples para ele do que abrir a geladeira.
Assim como qualquer coisa online, a chave é como nós nos relacionamos com a ferramenta e seus usuários. Qual botão apertar qualquer um aprende. Entender o signo e o significado é sempre mais complexo, não importa se na web ou não.
Talvez o melhor norte que se possa fornecer neste assunto seja a quebra do pré judice. Na web não apenas o pré julgamento (roupa, aparência, cor, etc) se quebra mas também rui a relação de poder: você e seu aluno estão no mesmo nível hierárquico e ele espera ser tratado como igual.
Você precisa falar a linguagem dele. Dois ótimos exemplos disso são o blog Física na veia e o portal Lablogatórios que unem o conteúdo com uma linguagem (tanto em termos de ambiente e interface quanto no que diz respeito à linguagem escrita) a que o aluno/jovem está acostumado, tratando-o com respeito e de igual para igual.
No que diz respeito à tecnologia, hoje temos uma entidade sem fins lucrativos chamada w3C (World Wide Web Consortium), que orienta como construir sites e aplicativos de forma acessível por todos. A acessibilidade hoje é uma das maiores preocupações dos desenvolvedores. Uma das grandes mudanças foi a separação da informação do conteúdo.
A informação ou o conteúdo não existem mais localizados, centralizados. Nós somos múltiplos e estamos em muitos lugares.
O que muda, essencialmente, é o tom. Não apenas uma questão de linguagem, onde a escrita é tratada como oral, mas também (e principalmente) a quebra absoluta da relação de poder. O leitor não é mais apenas um receptor e o discurso pode ser complementado a qualquer momento, por qualquer um.
O modelo da Wikipedia, por exemplo, pode ser usado com milhares de outros fins, inclusive o pedagógico. Um professor pode, por exemplo, criar um site no modelo Wiki sobre a sua matéria e com isso montar de uma forma muito dinâmica e participativa um modelo inovador de gestão de conteúdo, junto com seus alunos.
O sistema da Wikipedia é de código aberto, gratuito e pode ser baixado no endereço http://www.mediawiki.org/wiki/MediaWiki
A maioria dos provedores de hospedagem trabalha com um gerenciador chamado Cpanel (painel de controle) e possui o Fantastico, um instalador automático de diversos sistemas, entre eles alguns modelos diferentes de Wikis, ao alcance de um clique.
O miguxês e outros códigos
O designer Mario Amaya falou com muita propriedade sobre o assunto em seu blog e merece a sua visita.
O miguxês, ou seja, aquele dialeto de internet que a gente não entende, não é um empobrecimento do idioma, é outro idioma. A comunicação em miguxês é uma opção do jovem, e não falta de.
Este aspecto, o de não ser uma limitação e sim uma opção é crucial para entendermos esta comunicação.
Redes sociais
Acho hilário o termo “rede social”. Existe alguma rede de pessoas que não seja social? A internet toda é humana, formada por pessoas que se comunicam entre si e portanto é toda uma grande rede social.
O termo na verdade se refere a sistemas que facilitam esta comunicação interpessoal, como o Twitter, Orkut, Facebook e muitos outros. Assim como em qualquer festa, é mais importante saber se comportar no ambiente do que saber a receita do bolo.
Tanto nas ditas redes sociais como na tal da “blogosfera”, o crédito é importantíssimo. Apesar de abrir mão da privacidade, o jovem não abre - e nem deveria - mão da individualidade. A internet toda funciona muito por mérito e crédito, ou seja, se você viu um link interessante no Twitter de alguém, ao invés de copiar e colar para repassar para o seu grupo, faça um “retwitt”, ou seja, assuma que você está repassando algo feito/descoberto por outra pessoa, citando a fonte. O mesmo vale para blogs. Os blogs mais respeitados são aqueles que criam conteúdo próprio e que quando reproduzem algo de outra pessoa, dão os devidos créditos. Esta é uma regra que não pode ser quebrada online, sob o risco de perder completamente a credibilidade. E, como sabemos em qualquer ambiente (online ou offline), credibilidade é tudo nessa vida.
Outra regra importante para a sobrevivência online é a periodicidade. É melhor não ter um blog/twitter/etc do que ter um bissexto. A presença online exige alguma manutenção.
O contato direto com o aluno e no ambiente dele pode trazer bons frutos. Muitos problemas como a falta de tempo, a timidez ou mesmo a pressão de grupo caem por terra quando o jovem está online. Muitas vezes ele consegue se expressar com mais desenvoltura, rapidez e facilidade na internet do que na sala de aula.
A semelhança com audiovisuais e seus blocos pequenos de texto
O quadro-negro não passa vídeo, não permite o copy-and-paste, não tem hiperlink, não toca mp3, não reproduz podcast e não aceita comentários, mas na verdade a estrutura lingüística é muito similar à internet. São tópicos com pouco texto que dão suporte ao que é dito verbalmente.
Apesar de o texto ser o seu suporte fundamental, a linguagem é verbal e conta com todo e qualquer recurso audiovisual disponível naquele momento.
Essa capacidade de síntese que o professor tem para dar e vender é extremamente valorizada online.
Assim como na sala de aula, na internet o aluno que se interessar por determinado assunto irá procurar textos e subsídios mais aprofundados. A grande diferença é que o processo não é passivo: o aluno assume o papel de responsável e ator da busca por aquela informação.
O professor tem à sua disposição diversas mídias e formatos diferentes. Aqueles que se sentem mais confortáveis falando do que escrevendo podem, por exemplo, criar um podcast.
Escrever em um blog, por exemplo, não exclui outras possibilidades. O blog pode inclusive conter um podcast, vídeos, um fórum e conteúdos de redes sociais.
A questão da atenção dividida
Paradoxalmente, quanto mais o professor espalhar as suas informações online, mais o aluno vai focar no assunto. Esta pulverização que pode enlouquecer alguém ainda não habituado com a tecnologia é, na verdade, percebida como um símbolo de importância. Quase que uma reprodução das medidas de um clipping, onde o volume de notícias é contabilizado como uma vitória. O internauta presta mais atenção àquilo que chegou a ele de várias fontes diferentes porque entende como sendo de uma relevância maior.
Qualquer informação online que venha de forma intrusiva ou impositiva é imediatamente descartada, mesmo que de interesse do aluno. Ele precisa se sentir e se perceber como agente daquela informação. Aqui entram, com grande importância, as redes sociais e os blogs, onde o professor pode, além de interagir com outras pessoas, colocar o seu conteúdo online de uma forma em que o aluno vá até ele sem se sentir em uma posição submissa ou passiva.
A passividade no recebimento da informação é sempre entendida como spam. Nada online é unilateral, mesmo que a bilateralidade seja apenas a de clicar em um endereço para chegar ao blog.
Dicas de ferramentas
Colocar uma matéria online no Google Docs, onde o aluno pode copiar e colar o que interessa, interagir deixando comentários e/ou dúvidas ou mesmo acrescentar algo.
Publicar slides, imagens, ilustrações e apresentações nas ferramentas gráficas (Flickr, Picasa, etc), de forma que o aluno tenha acesso a estas informações com maior clareza do que uma reprodução xerox ou cópias feitas em cadernos.
Publicar textos em domínio público no Scribd, de forma não apenas a compartilhá-los com toda a web mas também facilitando o acesso e busca deste material.
Indicar a leitura de trechos ou livros na íntegra no Google Books, dependendo se em domínio público ou não.
Abrir um canal de comunicação direta com alunos e colegas através do Skype, msn ou similares.
Tocar/mostrar músicas no Blip.fm, como demonstrativas de uma figura de linguagem ou de uma época.
Estimular a leitura através de hipertexto e a assimilação de conteúdo de qualidade em palestras online e vídeos educativos.
Criar coleções (listas) no Youtube ou no Vimeo de vídeos interessantes e recomendados para os seus alunos.
Criar versões WAP de seus blogs para que os alunos possam ler no celular. A maioria dos sistemas de blog possui versão WAP ou algum plugin gratuito para esta finalidade.
Usar o Google Earth ou Maps para mostrar locais ou o History do Google Earth para representações em 3D históricas (Roma Antiga, por exemplo), ou ainda o céu ou a Lua ou Marte.
Reproduzir experiências bem sucedidas como o Mil Casmurros, por exemplo.
Centralizar bookmarks de forma pública e acessível no Delicious.
Ampliar o repertório dos alunos com palestras do Teachertube, do MIT ou do TED.
O senso de comunidade
O ser humano é engraçado: basta ver a casa de um que já quer construir a sua do lado. Nós temos o senso de comunidade muito enraizado em nossa formação. Desde o homem primata que formamos comunidades. Os princípios de auto-preservação e proteção seguem em nossas vidas o tempo todo.
Os alunos formam grupos, tanto em sala de aula quanto em intervalos. O ser humano se relaciona em bandos, mesmo que este bando seja composto por apenas duas pessoas. É natural portanto que na web este senso de comunidade se reproduza também.
Um dos pecados mortais é ir contra ou trair grupos estabelecidos (exemplo: a propaganda do Estadão contra os blogs), mas às vezes é difícil detectar os grupos que são por natureza voláteis, orgânicos e flexíveis, ainda mais online.
Uma boa forma de se medir a relevância daquele grupo ou pessoa online é uma simples busca no Google. Coloco aqui alguns truques práticos de uso do Google para este fim:
Para limitar a busca naquele termo específico e não em todas as palavras que o compõe, use aspas. Ex: “gato siamês” irá retornar um resultado muito mais relevante do que apenas procurar por gato e siamês.
Para descobrir quem ou quantos sites têm links para alguém, use o “link:”. Exemplo: “link:aguarras.com.br”. Não é necessário usar o www.
Para buscar algo apenas dentro de um determinado site, comece a busca com “site:URL busca”. Exemplo: “site:aguarras.com.br arte-educação”.
Para buscar um conteúdo apenas em um determinado tipo de arquivo, use o filetype:TIPO. Exemplo: “hauser filetype:pdf”
Existem outras dicas no próprio Google.
Muitas vezes a própria internet fornece informações sobre quem é o seu visitante, o que ele pensa, como age e o que a comunidade pensa dele.
O potencial disseminador do internauta
As técnicas de divulgação mudam de nome e formato com o tempo. O que antigamente era o RP (relações públicas) hoje é o especialista em rede social. As ferramentas mudam mas o princípio é o mesmo (nós somos os mesmos).
“Aquilo que é bom não precisa de propaganda”. Esse é um dos mitos mais conhecidos na publicidade e é apenas isso: um mito. O professor faz propaganda de sua matéria. A mãe faz propaganda de suas opções de vida ao filho. O padre faz propaganda de sua religião. Os formatos e os objetivos mudam, naturalmente, de acordo com o caso, mas a disseminação de idéias e ideais faz parte de nosso instinto de preservação, a preservação de nossa memória.
Na Grécia Antiga, era considerado “clássico” aquilo digno de ser copiado. A expectativa de vida então era de 35 anos e a noção da finitude da condição humana era claríssima. Assim como na internet, a nacionalidade era uma essência, um pertencimento espiritual e cultural e não algo limitado por fronteiras: se você fala grego, segue a religião grega, pensa como um grego, você é grego, não importa onde viva ou tenha nascido. As artes eram consideradas de suma importância porque perpetuavam o registro da cultura. As conquistas eram não apenas militares mas também culturais.
Estes mesmos conceitos são reproduzidos na internet que, assim como a Grécia Antiga, não tem a noção do Estado-nação. O modo de vida do internauta o qualifica. Aqueles que não são internautas (”não falam grego”) são considerados pelo grupo como inferiores culturalmente (bárbaros). O conceito de clássico é aquilo que é reproduzido, independente se um vídeo tosco no Youtube ou uma palestra no TED.
Surge então o conceito de uma informação viral, ou seja, que se reproduz além de uma intenção ou controle, que se reproduz de forma autônoma, espontânea. Um bom viral é aquele que move alguma emoção, que toca em algum ponto da formação do ser, mesmo que seja o de considerar o diferente como um bárbaro.
O fenômeno de dissipação destes conteúdos é às vezes batizado de “meme”, uma analogia ao conceito criado pelo zoólogo Richard Dawkins para explicar a disseminação de pensamentos, idéias e produtos culturais. Segundo Dawkins, algumas informações são transmitidas da mesma forma que os genes, replicando-se automaticamente e tornando-se parte da cultura universal.
A internet é o veículo ideal para a transmissão desses “memes”. E, com o advento de sites que permitem a criação e a divulgação de conteúdo produzido pelos próprios internautas, os memes ganharam um novo aspecto: a possibilidade de estas unidades de informação não apenas serem retransmitidas, mas ganharem novas leituras.
E tudo isso ao alcance de um clique. Não precisamos mais esculpir em pedra a nossa visão de mundo. E com a facilidade vem também o alcance exponencial.
O professor pode se colocar como receptor e requisitar aos seus alunos, por exemplo, que indiquem conteúdo relativo a um tema. A pesquisa estimulada na web movimentará a comunidade de alunos e, conseqüentemente seu interesse. Ou, ainda, analisar algum conteúdo online junto a seus alunos, estimulando desta forma a busca por similares.
Conteúdo é a chave do negócio, sempre foi e sempre vai ser.
O que você tem a dizer é muito mais importante do que a forma.
Nota importante: este artigo foi originalmente escrito como uma linha geral de uma palestra para professores e não tem a pretensão de ser nada além de um apanhado de dicas sobre alguns dos usos possíveis da internet como instrumento didático. Este não é um whitepaper e a autora é especializada em internet e não em pedagogia.
Carolina Vigna-Marú é a editora do Aguarrás, além de ilustradora, designer e diretora de arte.
Fonte: http://aguarras.com.br/2009/05/18/alguns-usos-pedagogicos-da-internet/
Um comentário:
Oi Robson.
Estou sempre te acompanhando aqui no Caldeirão e no Blogs educativos.
Estou precisando da sua ajuda!
Por um acaso, foi você que indicou um site que continha um vídeo sobre meio ambiente lá no Blogs educativos?
Se você tiver blogs ou sites interessantes sobre meio ambiente me ajudará muito, afinal a semana do meio ambiente está quase chegando.
Obrigado, e parabéns pelo trabalho desenvolvido.
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