28 de abr. de 2009

Alunos que não entendem o enunciado

24 de outubro de 2006, 16:46

Grande parte dos alunos entre 17 e 21 anos tem dificuldade na interpretação de textos. Como o futuro profissional de tecnologia poderá desempenhar tarefas e trabalhar em equipe?

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Por Sthefan Berwanger


Todo ano é a mesma coisa: grande parte dos alunos matriculados em cursos superiores de tecnologia ou no bacharelado apresenta problemas na interpretação de textos.

A situação é terrível e desanimadora: em um simples texto de três linhas não se consegue identificar o que é dado e o que está sendo pedido.

Logo que comecei a lecionar não acreditava no que estava acontecendo. Afinal, a palavra estava lá escrita, clara e imutável, e as orações continham todos os elementos essenciais na ordem correta: sujeitos, verbos e predicados.

Em princípio pensei em duas hipóteses: ou era implicância dos alunos com a minha pessoa, ou os textos apresentados eram herméticos demais, sobretudo para turmas de primeiro ano.

O universo de alunos a que me refiro é composto em grande parte por jovens recém saídos do ensino médio, com idade entre 17 e 21 anos, e por uma parcela um pouco menor que tem entre 22 e 29 anos. Não é raro turmas com alunos já na faixa dos 30 ou 40 anos — e neste pequeno grupo o desempenho interpretativo é um pouco melhor, mas ainda assim segue abaixo do esperado.

Tem que entender o texto

O estudante que obtém diploma em um curso superior de tecnologia precisa, entre outras habilidades e competências, saber criar soluções adequadas aos inúmeros problemas inerentes à sua atividade profissional.

Para que esse processo ocorra satisfatoriamente, ele precisa primeiro entender o problema que quase sempre vem documentado na forma escrita. Precisa extrair as informações de que necessita e refletir sobre os caminhos que o levarão à solução.

A ditadura

Como docente, nunca havia questionado a origem desta dificuldade, até o dia em que li a entrevista do psicólogo Carlos Perktold (1) que trata justamente da dificuldade da geração pós 1964 em entender o que lê. Segundo o artigo, este fenômeno não ocorre exclusivamente na população com baixa escolaridade, não é catalogável como doença e nem é uma característica de pessoas com déficit intelectual; é sim um fenômeno intelectual de toda uma geração.

O argumento principal dado na entrevista é que após o golpe militar de 1964 houve uma castração cultural e política da geração nascida após esse período, capaz de causar um desestímulo ao hábito da leitura e por conseqüência prejudicar a capacidade crítica.

Disciplinas como Filosofia e Sociologia foram retiradas do currículo do antigo ensino clássico, atual ensino médio, porque o regime não estaria interessado na formação de pessoas capazes de analisar idéias, refletir sobre os conceitos sociais e atuar politicamente.

A televisão

Foi também a partir desse período, com o barateamento dos aparelhos, que a televisão ampliou sua participação dentro da população brasileira. O processo de expansão, que resultou na televisão como meio de comunicação de massa, se estendeu pelas décadas seguintes, com as transmissões via satélite, a melhoria da qualidade técnica e de conteúdo e a maior variedade de programas.

Desta forma, os recursos audiovisuais tomaram o lugar do texto escrito e surge então uma geração que entende o que ouve, mas não o que lê. Pode-se argumentar que o rádio também poderia ter o mesmo efeito que a televisão, mas segundo Perktold, o rádio pelo fato de não carregar a imagem, estimula o ouvinte a imaginar, fantasiar e pensar.

O que o docente pode fazer?

Então como contornar o problema? Infelizmente não é possível reverter o cenário em apenas um semestre, sobretudo pelo esforço de apenas um professor. É preciso lembrar que os educandos se submeteram, ano após ano, à mesma rotina de exposição exagerada à televisão e ausência de (boa) leitura e cultura em geral. Tentar obrigá-los a engolir textos e mais textos e a formar uma opinião crítica pode ser uma violência, com todas as suas consequências.

O que costumo fazer é explicar o mesmo exercício várias vezes, sob vários ângulos, fazer comparações e criar metáforas e analogias que tenham a ver com o universo concreto deles.

Muitas vezes dou sugestões de leitura online e off-line, indico bibliotecas públicas e também estimulo visitas a eventos culturais gratuitos, pois uma grande parte dos alunos é financeiramente carente e depende de bolsa de estudos.

Outra solução adotada é criar pequenos enunciados matemáticos com o objetivo específico de treiná-los na identificação do que é dado, e do que é pedido.

Algo bem simples, como por exemplo:

“Dada a equação z = x + y. Sabendo que x vale 4 e y vale 7, quanto vale z?”.
A internet

Falando um pouco do presente, com vistas ao futuro, está em curso uma mudança importante: o surgimento da mídia digital que gradativamente vem tomando o espaço da televisão.

A sua principal característica é a descentralização da audiência e a produção de mídia para públicos específicos. Com essa mudança de modelo em curso, seria interessante observar como a geração nascida durante a revolução tecnológica irá aprender e se comportar criticamente nesse meio, que oferece um número gigantesco de opções a respeito do que se quer ver, ler ou ouvir. [Webinsider]

Referência bibliográfica

(1) PERKTOLD, C. Assisto, logo existo. Revista Carta Capital, 7jul. 2004, n. 298, p.28-29.

Sobre o autor

Sthefan Berwanger (sthefan.berwanger@xporcento.com.br) é responsável pela área de BI da X Porcento e é professor do programa de pós-graduação pela Faculdade Impacta Tecnologia.

Fonte: http://webinsider.uol.com.br/index.php/2006/10/24/alunos-que-nao-entendem-o-enunciado/

5 comentários:

José Antonio Klaes Roig disse...

oi, robson, um texto interessantíssimo do Stephan. Esclarecedor. A atual geração é reflexo dos tempos sombrios do passado. E há quem critique esse momento de plena democracia em que podemos ver as máscaras dos cidadãos acima de qualquer suspeita cair. Temos uma Opportunity única de vivenciar esse processo de transformações no mundo e contribuir com nossa parcela na tomada de consciência do alunado, incentivando os colegas também a proporem a reflexão sobre enunciados, enunciações e anunciações. Um abraço, Zé.

Teresinha Bernardete Motter disse...

Oi meus queridos amigos,estão bem?? Ajudem-me a arrumar a configuração do meu blog em um computador com "1023 x não sei quanto" ele aparece pequeno e não em tela cheia como o teu Robson. bjs
Berna

Elaine dos Santos disse...

Prezado Robson, permita-me a ousadia da discordância: nasci em março de 1964, fui educada, pois, sob os desígnios da LDB 5692/71 e percebo que a geração a qual pertenço não apresenta tanta dificuldade, inspiro-me, nesta afirmativa, em colegas que exercem diferentes profissões.Como professora dos ensinos médio e superior (na área de Letras), localizo o problema na geração nascida a partir da década de 80 (LDB 7044)e, pelo menos na região em que atuo, verifiquei que estes alunos, na primeira série, foram alfabetizados pelo método construtivista, que foi descontinuado nas séries seguintes, eles ficaram no "meio do caminho", sem uma orientação segura, escrevem errado, leem errado, interpretado errado (dentro daquilo que nós, professores, julgamos correto!). Neste ponto, permito-me mais uma observação: até que ponto nós somos claros nos enunciados que produzimos? Até que ponto "a nossa linguagem" está em consonância com o nível de compreensão deles? Não sei, ousaria afirmar que existe um descompasso na escola e que é nela que se localiza o problema, as fontes externas são fontes externas, portanto, auxiliam nesta barafunda, mas não são determinantes. Entenda, contudo, que sou professora no interior do Rio Grande do Sul e me refiro a uma realidade específica, não estou, sob forma alguma, questionando os estudos feitos, apenas problematizando-os.
Abçs :)

Anônimo disse...

O texto do Sthefan pode conter pontos discutíveis, mas uma coisa é correta: a atual safra de alunos têm muita dificuldade de concentração.

Não sei se o motivo foi mudança curricular ou a popularização da televisão, ou mesmo os multiestímulos consequentes da internet.

Ocorre que parece urgente ensinar esta rapaziada nova a interpretar.

Um abraço.

urmystars.blogspot.pt disse...

Eu acho que não é só falta de concentração é falta de livros! Os jovens estão cada vez mais desmotivados para ler. Ler é aborrecido e se é aborrecido não lêem e se não lêem não aprendem nada de novo. Aprenderam a técnica de ler na escola e não a desenvolveram. É através dos livros que aprendemos palavras novas, nuances novas na interpretação de temas e ideias. E se não lemos, ficamos por aqui... sem aprender mais nada. Maria João