14 de fev. de 2009

Tempos Modernos

Imortal e atualíssimo

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A palavra "Clássico" carrega em si o conceito daquilo que é eterno, que possui uma série de características que o tornam imortal, entre o que poderíamos considerar como sendo básico em termos de apresentação num produto cultural que carrega esse "rótulo" estariam a linguagem (inovadora, elaborada, provocativa, sedimentada, que atinge a todos, que está sempre em dia mesmo muito depois de produzida), a forma (esteticamente renovadora, revolucionária, que fala e atinge todos os sentidos) e o conteúdo (idéias, conceitos, propostas, teses - todas a nos fazer pensar, refletir).

Um filme como "Tempos Modernos", de Charles Chaplin ( que por si só já pode ser considerado um clássico pois conseguiu ao longo de toda a sua produção realçar a linguagem, a estética, o formato e o conteúdo das produções cinematográficas, sendo considerado por muitos como um dos maiores, senão o principal, entre todos os cineastas do século XX) se ajusta como uma luva no conceito de clássico.

Há várias seqüências que são geniais desde o princípio do filme. Entretanto, as que ocorrem dentro das fábricas constituem-se em trechos antológicos, que se não estão, deveriam ser colocados entre os mais importantes e significativos da história do cinema mundial, como por exemplo, o trecho em que Carlitos (o personagem símbolo das criações de Chaplin) é engolido pelas engrenagens das máquinas da empresa onde trabalha como operário ou, numa etapa posterior da história, quando um mecânico (com o qual trabalha Carlitos) fica preso no meio do maquinário.

Há uma simbologia específica que permeia tais momentos do filme, como no caso da primeira seqüência descrita, representativa no sentido de apresentar a crítica chapliniana em relação a modernidade, a forma como estamos lidando com o avanço da tecnologia, o modo como estamos sendo integrados as engrenagens dentro de um sistema, como se fossemos também molas que complementam e articulam o movimento das máquinas e de todo processo produtivo. Críticas como essa renderam muitos problemas a Chaplin, que inclusive foi perseguido e obrigado a sair dos Estados Unidos durante um longo período de sua vida (os problemas dele com as autoridades norte-americanas aumentaram ainda mais depois do filme "O Grande Ditador", outra de suas obras-primas).

Chaplin-e-outro-trabalhador-em-meio-a-maquinas

Na parte em que o mecânico fica retido entre rolos, parafusos e demais mecanismos que movimentam a fábrica, a ironia se dá por conta das atitudes de Carlitos no momento em que é acionado o apito que sinaliza a hora do almoço, mesmo diante da situação de dificuldade vivida por seu imediato superior, o operário vivido por Chaplin deixa de tentar auxiliá-lo em sua tentativa de sair da enrascada em que se encontra, pega sua marmita e começa a comer. As reclamações do mecânico-chefe são encaradas pelo operário como sendo provenientes da fome e da vontade de almoçar do mesmo! O que poderia ser considerado como mais um dos vários momentos cômicos do longa-metragem é mais uma crítica social, relacionada a sujeição do homem contemporâneo a escravidão do relógio, com seus horários todos pré-estabelecidos, com seu almoço ou seu jantar atrelados a determinados momentos específicos do dia, mesmo que em alguns dias, não estejamos com fome; com seu lazer estipulado para os finais de semana ou para as folgas alternadas das escalas e turnos estabelecidos pelas empresas; com suas férias tendo que ser vividas no prazo que for dado pelas companhias e assim vai, com os ponteiros oprimindo a espontaneidade e a criatividade dos homens.

No início do filme, quando um grande relógio nos mostra a hora da entrada dos operários na fábrica, os enquadramentos se deslocam rapidamente para um amontoado de homens apressados, dirigindo-se a seus empregos e, num rápido corte e edição, esses trabalhadores foram substituídos por ovelhas e carneiros, numa alusão ao fato de que estamos trafegando nesse mundo sem uma clara definição de nossos rumos, seguindo as orientações de "pastores" que não conhecemos em grande parte dos casos.

Em variados momentos, o filme nos apresenta possibilidades de refletir sobre situações relativas ao trabalho no mundo industrial e as relações entre patrões e empregados. Uma dessas situações apresentadas nos mostra Carlitos desempregado, vagando pelas ruas, próximo a uma esquina, quando um caminhão ao fazer a curva, deixa cair uma bandeira de segurança atrelada a carga (que supomos ser vermelha, tendo em vista a prática adotada em casos como o descrito). Imediatamente ele pega a bandeira e faz sinais para o caminhoneiro tentando avisá-lo da perda de tal objeto e começa a caminhar na direção do veículo, nesse exato instante, uma passeata de trabalhadores em greve vira a esquina e se locomove na mesma direção de Carlitos, que por ter em suas mãos uma bandeira vermelha e estar a frente dos demais, pode ser entendido como líder desse movimento de operários. Entra em cena a polícia que o acaba prendendo como responsável pela agitação.

Outros segmentos como o da máquina que alimenta os operários sem que eles tenham que parar de trabalhar, o período de trabalho de Carlitos numa loja de departamentos ou seu período de desemprego são ilustrativos das dificuldades do mundo capitalista industrializado e ainda nos permitem visualizar os sérios problemas acarretados pela Crise de 1929 na economia norte-americana e mundial.
Uma verdadeira aula de cinema que nos dá possibilidades de discutir situações do início do século XX que são extremamente atuais, como a crítica ao sistema vigente (que recentemente foi trabalhada no futurista e sombrio mega-sucesso "Matrix"), as relações entre os homens e a tecnologia, a questão do tempo numa sociedade que se move com extrema rapidez e a própria natureza humana (afinal de contas, o que estamos fazendo por aqui? Por que temos que nos mover com tanta pressa? O que realmente tem valor nessa nossa breve existência nesse planeta?).

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Como não poderia deixar de ser, Chaplin nos faz rir e nos faz chorar, alimenta nossas emoções num vai-e-vem constante, como se estivéssemos numa autêntica montanha-russa (e das melhores), parece estar numa constante busca pelo nosso lado mais humano, parece estar tentando nos estimular a viver com maior intensidade essa nossa humanidade. Essencial.

Ficha Técnica

Tempos Modernos
(Modern Times)

País/Ano de produção: EUA, 1936
Duração/Gênero: 87 min., comédia
Distribuição: Continental Vídeo
Direção de Charles Chaplin
Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Tiny Sandford.

Links

- http://us.imdb.com/Title?0027977 (em inglês)
-http://www.adorocinema.com.br/filmes/tempos-modernos/tempos-modernos.asp

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João Luís de Almeida Machado Editor do Portal Planeta Educação; Doutorando em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=95

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