15 de nov. de 2008

A Língua das Mariposas

Educação e Integridade

Menino-conversando-com-senhor

Ir a escola pela primeira vez é um grande desafio para uma criança. Não importa a idade, independe do país e mesmo do contexto histórico no qual está inserida a criança. A superação da insegurança só acontece após alguns dias, depois de uma plena adaptação, através da qual o menino ou menina conheça seus colegas, compreenda a dinâmica do ambiente escolar e trave o necessário e primordial contato com seu professor.

Nesse aspecto, a figura do professor é definidora não apenas no sentido da ambientação. Os mestres respondem pela própria paixão a ser despertada nos infantes. Parte deles toda a energia vital que, necessariamente, contagia os alunos e faz com que eles não apenas se sintam bem na escola, mas também, que alimentem certa paixão pela aprendizagem, pelo conhecimento, pela pesquisa...

José Luiz Corda, cineasta espanhol, retratou com grande êxito, os primeiros passos do menino Moncho (Manuel Lozano), de sete anos, nessa grande aventura de ingressar na escola, através de seu filme “A Língua das Mariposas”.

A sensibilidade do filme de Corda nos remete a duas outras grandes obras recentes da filmografia européia, as produções italianas “A Vida é Bela”, de Roberto Begnini e “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore. Além disso, a intensa relação que se define entre Moncho e seu velho professor Don Gregório (Fernando Fernán-Gomes) nos fazem lembrar das parcerias estabelecidas entre Giosué e Guido (de “A Vida é Bela”) e entre Totó e Alfredo (de Cinema Paradiso).

Entretanto, diferentemente daqueles filmes, “A Língua das Mariposas” tem como foco a relação professor-aluno. Estabelece a imagem do professor humano, caloroso, próximo e paciente. Nos mostra a atitude do profissional da educação como aquela do erudito, que lê, pesquisa, conversa regularmente com muitas pessoas e é admirado pela comunidade.

O filme nos mostra Don Gregório como uma figura impar dentro do contexto educacional da época retratada (o filme se passa no período brevemente anterior a Guerra Civil Espanhola), fica claro para o espectador que a atitude desse educador contrasta com posicionamentos mais fortes e autoritários dos demais professores da época (Antes de conhecer Don Gregório, o menino Moncho tem medo de ir a escola e fala em fugir para a América; receia que possa ser punido com severidade pelo futuro professor).

Além disso, a preocupação em ensinar e cativar as crianças não se restringe a demonstrar todo o conhecimento obtido a partir de leituras e pesquisas. Don Gregório representa o educador íntegro, que se percebe como referência (e que, nem por isso, se envaidece) e que, ciente de suas responsabilidades a partir de então, se mostra sempre sereno, altivo e elegante.

Mais que teorias, ele ensina a seus alunos novas posturas perante o mundo, onde as pessoas devem se respeitar, ter sensibilidade e jamais abandonar seus ideais...


O Filme

Duas-fotos-de-menino-conversando-com-senhor

Moncho (Manuel Lozano) tem apenas sete anos e se prepara para o maior desafio de sua vida. Está a apenas algumas horas de seu primeiro dia de aula. Alertado por alguns meninos, ele acredita que o professor poderá castigá-lo ao menor erro. O menino pensa, inclusive, em fugir para a América, como alternativa a escola.

O que lhe espera, entretanto, é uma grande surpresa. Seu professor, Don Gregório (Fernando Fernán-Gomes), um senhor próximo da aposentadoria, jamais agiu agressivamente em relação a nenhum de seus alunos. Pessoa de fala mansa, de grande tranqüilidade e de postura elegante, apesar de toda a simplicidade, o professor garante sua credibilidade perante seus alunos a partir do conhecimento que possui e da calma com que resolve os pequenos problemas do cotidiano.

Moncho se apaixona pela escola e passa a se dedicar com grande vontade às tarefas e atividades propostas por Don Gregório. Encanta-se com as histórias contadas pelo velho mestre e se anima ainda mais quando algumas aulas são dadas ao ar livre. Paralelamente a suas realizações escolares, o menino acompanha os acontecimentos da vida cotidiana da pacata cidade onde vive.

Descobre o amor e se percebe no meio de um emaranhado de relações políticas e sociais (mesmo não entendendo exatamente o significado desses acontecimentos), numa época em que a Espanha ferve as vésperas de sua guerra civil. As turbulentas transformações pelas quais passava o país colocam o velho e honrado professor em situação delicada devido a seus posicionamentos políticos. Em quem deve acreditar Moncho?

Fortes emoções tornam “A Língua das Mariposas” filme obrigatório para todos aqueles que acreditam na vida e na educação. Não percam!


Aos Professores

Mesmo-menino-em-três-posições-diferentes-sério-rindo-e-nervoso

• Encantamento é a palavra definidora da relação estabelecida entre Don Gregório e seus alunos (especialmente Moncho). E como se dá essa mágica? Muitos professores me perguntam quando realizo workshops e palestras de que forma conseguimos cativar nossas crianças e adolescentes. Não há fórmulas prontas. Não há “receitas de bolos”. Essencialmente o que caracteriza um trabalho que encanta os estudantes é o amor do professor pelo trabalho que realiza, pelas crianças e jovens com os quais trabalha e pelo conhecimento.

• Outro aspecto relevante do sucesso de vários profissionais que conheço se refere à sensibilidade. Saber ouvir os estudantes quando necessário. Compreender seus problemas. Dar atenção sempre que requisitado. É claro que não podemos e nem devemos abrir mão de nossas demais responsabilidades como educadores. Continuaremos a trabalhar a história, a literatura, a matemática, as ciências e todo o conhecimento que nos cabe proporcionar a nossos alunos. Temos que adicionar a isso a educação das emoções, garantida pela presença, pelo estímulo constante, pela crença na capacidade de todos nossos alunos,...

• “A Língua das Mariposas” destaca outro aspecto muito relevante para o trabalho dos educadores, a necessidade da leitura, da pesquisa, da busca do conhecimento. Isso vale tanto para nossa própria formação quanto para o aperfeiçoamento de nossos estudantes. Temos que ler para saber ler. Temos que mostrar a nossos alunos que ler e pesquisar são essenciais para nosso crescimento, para nossa maturação e melhoria individual. Temos que fazê-los perceber que ler e pesquisar são (mais que necessidades) prazeres!

• Toda e qualquer forma de repressão política, ideológica, social ou cultural representa o que há de mais vil entre os seres humanos. O patrulhamento patrocinado pelo fascismo na Espanha (e em todos os países que, infelizmente, vivenciaram regimes totalitários) fez muitas vítimas. Seus crimes? Pensavam de forma diferenciada em relação ao regime dominante. Levantamentos e pesquisas acerca da Guerra Civil Espanhola e da ditadura fascista que se estabeleceu na Espanha podem ser aprofundados com o exame da obra “Guernica” de Pablo Picasso, com a leitura do clássico “Por quem os sinos dobram” de Ernest Hemingway (que era correspondente de guerra na Espanha na época da guerra) e pela comparação desses recursos (incluindo-se aí o próprio filme “A Língua das Mariposas”) com textos didáticos e paradidáticos.

Obs.: “Por quem os sinos dobram” foi transformado num ótimo filme (produzido em 1943), dirigido por Sam Wood e estrelado por Ingrid Bergman e Gary Cooper. Apesar disso, recomendo que inicialmente se faça a leitura do livro de Ernest Hemingway para que, depois se utilize o filme.


Ficha Técnica

A Língua das Mariposas
(La Lengua de Las Mariposas)

País/Ano de produção: Espanha, 1999
Duração/Gênero:
96 min., Drama
Direção de
José Luis Cuerda
Roteiro de
Rafael Ascona, Manuel Rivas e José Luis Cuerda
Elenco:
Fernando Fernán-Gomes, Manuel Lozano, Úxia Blanco, Gonzalo Uriarte,
Aléxis de los Santos, Jésus Castejón, Guillermo Toledo.

Links

http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=3625

http://parceiros.cineclick.com.br/cinemateca/ficha_filme.php?id_cine=10228

Videos-Relacionados



João Luís de Almeida Machado
Editor do Portal Planeta Educação; Doutorando em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).


Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=211

Nenhum comentário: