Eu não estudei em muitas escolas. Duas ou três que me lembro entre o período fundamental até o ensino médio. Alguns anos em escolas públicas outros em particulares. Numa época em que a violência era muito menor que nos dias de hoje - na rotina do dia-a-dia e nos meios de comunicação. O fato é que mesmo sendo um tempo mais ingênuo – hoje, uma criança entre 7 e 12 anos é muito mais esperta do que eu era há mais de duas décadas nessa idade –, sempre houveram nos ambientes escolares os chamados alunos brigões.
Em geral, maiores do que seus pares na mesma idade, esses meninos (sim, eram quase sempre os meninos!) passavam o tempo que tinham fora da sala de aula; ainda no ambiente escolar, como corredores e pátios de recreio, humilhando e intimidando quaisquer crianças que fossem diferentes ou mais fracas. Lembro de um menino maior que brigou comigo durante um jogo de futebol e tentou levar a disputa para fora da quadra. Mal sabia ele que eu era o mais novo de dez irmãos; entre eles, oito homens, e que disputas e brincadeiras nem sempre gentis faziam parte da minha rotina e que isso me dava, digamos, uma vantagem competitiva. Ele precisou de apenas um golpe para nunca mais me incomodar e por tabela todos os demais brigões que souberam da minha fama.
Mas a história toda por trás desse nariz de cera é que mesmo com essas tentativas de humilhação e intimidação física ou verbal, eu sobrevivi praticamente ileso daqueles dias. O mesmo aconteceu com dezenas de outros colegas e até os tais brigões se tornaram pessoas do bem – até onde eu soube no tempo da minha faculdade quando ainda tive notícias de alguns deles.
Não me lembro bem que nome dávamos a esses garotos ou ao que eles faziam; mas, atualmente, mídia, escolas e pedagogos andam adotando o termo "bullying". A primeira vez que ouvi essa palavra foi há vários anos atrás quando assisti ao filme "My fair lady" e meu professor de inglês me explicava o traço característico do professor Henry Higgins (Rex Harrison). Para ensinar fonética à Eliza Doolittle (Audrey Hepburn), o professor utiliza-se de pequenas peças de humilhação. O fim do enredo é conhecido, mas aquele humor ácido é, na verdade, a personalidade dos anglo-saxões e seu trato com outras pessoas. Por tabela, países de língua e colonização inglesa herdaram esse sentimento e por isso, por lá, essa expressão se aplica melhor. Tanto que o filme se passa em Londres, mas sua produção é dos Estados Unidos.
Mas o engraçado nessa história toda é a incapacidade brasileira de ter sua própria palavra para o tema. Não bastasse a colonização permanente, nosso vocabulário não consegue expressar mais "humilhação". Uma ação chamada "Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes", patrocinada por empresas e governos, tenta definir o bullying e usa para isso 28 palavras para dizer do que se trata - colocar apelidos, ofender, zoar, gozar, encarnar, sacanear, humilhar, fazer sofrer, discriminar, excluir, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, amedrontar, tiranizar, dominar, agredir, bater, chutar, empurrar, ferir, roubar e quebrar pertences.
Tardiamente, a imprensa de Belo Horizonte abordou o tema em matérias que foram publicadas quase que simultaneamente em diversas mídias locais, desde semanários e jornais diários até entrevistas em emissoras de rádio e tevês. Parece até trabalho de uma assessoria de imprensa, tamanha a semelhança de abordagem (provavelmente foi uma escola particular que soprou a pauta). Infelizmente, entretanto, os entrevistados foram sempre pais, alunos e professores das escolas voltadas para as classes mais altas da capital. O bullying foi mostrado como coisa de gente rica. Nas escolas públicas ou dos bairros mais afastados ninguém deve nem conhecer a tal expressão.
Pedadagos, professores e psicólogos que passaram a usar o termo devem até arrepiar se lerem esta crônica, mas não consigo deixar de pensar que há coisas mais importantes acontecendo e que poderiam ser chamadas de bullying. Como, por exemplo, quando nossos governantes se acham acima da lei e preferem impor uma votação secreta que absolve um político corrupto (leia bem claro: Renan Calheiros foi absolvido hoje, quarta-feira, dia 12 de setembro, pelos senadores), embora a opinião pública dissesse o contrário. Essa humilhação sim pode deixar seqüelas para sempre nas pessoas.
Fonte: Só em Beagá
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