Muito se discute que a educação deve ser libertadora e formar cidadãos críticos. Mas comumente os laboratórios de informática das escolas possuem softwares proprietários instalados em seus computadores. E a maioria das pessoas não percebe o quanto isso é contraditório. Isso porque toda realização humana está sempre carregada de intenção e de ideologia, mesmo que isso não seja muito explícito à primeira vista. Com isso, a discussão que a dicotomia software livre/software proprietário levanta vai muito além da questão técnica, da computação pura e simples. Mas para chegarmos a esse ponto, é preciso iniciar nossa conversa esclarecendo duas confusões comuns na cabeça das pessoas não familiarizadas com o software livre.
Em segundo lugar, a crença de que software livre é uma “terra de ninguém”, em que as pessoas produzem softwares que são apropriados pelos outros, de forma descontrolada, sem nenhum tipo de organização. Ao contrário, o software livre valoriza muito mais as pessoas envolvidas em sua produção. Por exemplo, experimente clicar na seção de ajuda de qualquer software livre e procurar pelo item “Sobre”. Lá você encontrará os nomes dos desenvolvedores e, muitas vezes, até mesmo dos tradutores. Você conhece algum software proprietário que tenha esse cuidado com quem o produziu? No máximo você vai encontrar o nome da empresa que o comercializa.
Assim, conforme anunciado no início desse texto, ao ressaltar elementos como a solidariedade e o compartilhamento, sem deixar de valorizar os responsáveis por sua autoria, o software livre demonstra que, mais do que uma postura puramente técnica, é um movimento social que discute, em sua essência, uma relação diferenciada com o conhecimento humano, baseada no princípio da liberdade. Liberdade para estudar e dissecar esse conhecimento em toda a sua essência. De discuti-lo, questioná-lo e alterá-lo, de forma a mantê-lo sempre atualizado à conjuntura atual. E por fim, mas não menos importante, de compartilhá-lo livremente entre todas as pessoas do planeta, sem nenhum tipo de distição social, étnica ou de gênero. Tudo isso serve para reforçar a ideia de criatividade, colaboração e compartilhamento entre as pessoas, em uma estrutura em que todos podem ser criadores. Isso lembra bastante o ideal de educação ampla e transformadora que tantos educadores (eu incluso) defendem, não é mesmo?
Na contramão dessa ideia está a lógica do software proprietário. Uma vez que ele tem um “dono”, todo o conhecimento produzido pelo seu desenvolvimento pertence a quem detém os direitos sobre ele. Detentor esse que não necessariamente é o seu desenvolvedor (uma vez que essa pode ser a tarefa de um funcionário da empresa “dona” desse software). Assim, você tem um primeiro distanciamento entre quem produz e quem é efetivamente reconhecido como responsável pelo software. Além disso, uma vez que esse produto é propriedade de alguém (ou de uma empresa), resta às outras pessoas somente o “direito” (se é que podemos chamar assim) de utilizá-lo, do jeito que ele foi feito (se essa pessoa puder pagar por ele, claro). E já que o conhecimento em relação à tecnologia por trás desses softwares é restrito, é muito comum vermos iniciativas distintas gerando produtos semelhantes, que não interagem uns com os outros, em uma clara demonstração de desperdício de esforços (que o capitalismo dá o singelo nome de “competição” e, pior, considera saudável). Nessa lógica, poucos são os criadores, cabendo à maioria das pessoas o papel de consumidoras desse conteúdo. Qualquer associação com o conceito de “educação bancária” do grande educador Paulo Freire não é mera coincidência.
Dessa forma, a opção pelo software livre nos ambientes educacionais passa não somente por questões técnicas (como robustez contra falhas e segurança aprimorada, inclusive contra vírus), mas, principalmente, por uma questão ética, uma vez que é uma tecnologia calcada em valores muito caros à educação, como a criatividade, o compartilhamento, a solidariedade a valorização das pessoas enquanto autoras e a liberdade.
Mas, com tantas características positivas, por que o uso do software livre não é mais disseminado, especialmente em ambientes educacionais? Deixando de lado questões pouco éticas, como “favores” e “presentes” oferecidos pela indústria de software proprietário aos seus compradores (especialmente os grandes), um dos sérios problemas que enfrentamos no software livre é justamente a falta de divulgação e de esclarecimento, especialmente para o público mais leigo. Isso é particularmente sério se considerarmos a propaganda que o software proprietário faz (não só comercial como também ideológica) e o preconceito contra o software livre, por ser considerado difícil (as pessoas falam isso, na maioria das vezes, sem nunca tê-los usado) e pouco confiável, pelo fato de, para o usuário final, ser de “graça” (como se valor financeiro fosse sinônimo de qualidade).
Daí a importância da colaboração de todos para a disseminação do software livre. Mesmo sem conhecer nenhuma linguagem de programação, cada um de nós pode atuar das mais diversas formas: traduzindo os softwares e sua documentação (ou produzindo material inédito), esclarecendo as pessoas, fazendo propaganda direta, divulgando softwares livres entre os conhecidos, ajudando em fóruns e grupos de discussão, distribuindo e instalando esses softwares nos computadores… Você escolhe a melhor forma.
E caso esteja sem ideias, escolha um grupo de usuários já estabelecido e comece a participar. Um desses grupos é o Software Livre Educacional (também conhecido como SLEducacional ou SLEdu, para os íntimos).
Quem quiser ler um pouco mais sobre o que eu penso sobre educação e software livre, pode dar uma olhada nos links ao final desse texto. Também mantenho um blog (que atualizo “devezemquandomente”), um perfil social usando o software friendica e uma conta no microblog identi.ca.
Quem quiser conversar mais, é só usar os comentários aqui do blog ou passar em qualquer desses meus espaços.
E não posso deixar de agradecer ao meu amigo Robson pela honra do convite de aparecer aqui no Caldeirão. Valeu demais!
[1] http://sleducacional.org/node/16
[2] http://www.arede.inf.br/inclusao/edicao-n-61-agosto/2010/entrevista
[2] http://portaldoprofessor.mec.gov.br/conteudoJornal.html?idConteudo=674
Um comentário:
Estou a visitar alguns blogs, e tive o privilégio de encontrar o seu, vi na pagina inicial o que escreveu, e como gostei folheei mais algumas páginas e fiquei maravilhado pelo que vi e li.
Dou-lhe os parabéns, mas queria deixar um apelo continue assim dando sempre o melhor, boas mensagens, bons temas. Gosto de escrever, mas também gosto de ler bons temas, por isso é que parei aqui.
Meu nome é: António Batalha.
Sou um servo de Deus,e deixo aqui a minha bênção,que haja paz,amor na sua vida, muita saúde e felicidade.
PS. Se desejar seguir o meu humilde blog, Peregrino E Servo, fique á vontade, eu vou retribuir, se encontrar seu blog.
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