23 de mai. de 2010

Era do Conhecimento ou da Competência?

Marcelo Antônio Aguilar (*)

Há mais de 20 anos que se fala em economia do conhecimento e era do conhecimento, porém, só a partir dos anos 90 é que esta preocupação começa realmente a incomodar. Este incomodo começa principalmente pela indefinição de COMO as organizações irão viver (ou, simplesmente sobreviver a) esta era.

O que se vê hoje é uma multiplicidade de receituários, de fórmulas, que dizem O QUE deve ser feito, porém o COMO deixa a desejar.

Mesmo com esta indefinição existe a convergência em um único ponto, em todas as fórmulas apresentadas pelos filósofos e profetas, o que nos leva a crer que não é uma variável qualquer e sim uma constante. Os físicos que me perdoem, mas esta é uma constante universal; constante esta que não rege o mundo astrofísico ou quântico, mas com certeza rege o mundo organizacional. Esta constante é a EDUCAÇÃO.

O discurso é único: PRECISAMOS DE EDUCAÇÃO; e, pelo receituário do professor Carl Dahlman do Banco Mundial, o Brasil precisa de dois “remédios” urgentes, que são:

1) uma revolução PELA educação,
2) uma revolução NA educação.

"A maior falácia, no entanto, é acreditar que a educação é a mera aquisição do conhecimento e que este é a solução de todos os problemas. Isto é muito cartesiano e induz a um erro grosseiro.

Conhecimento é nada, ou quase nada, se não soubermos usá-lo adequadamente, apropriadamente e corretamente nas mais variadas situações da vida pessoal e profissional. Isto é competência.

Não existe competência sem o devido conhecimento para ser usado, mas existe conhecimento sem a devida competência para usá-lo, o que, de qualquer forma, é péssimo."

Adaptando as palavras do professor Rubens Portugal, especialista em educação, o que todo empresário deseja é um profissional que REFLITA-NA-AÇÃO que está desempenhando, porém que vá muito além da simples reflexão e que se torne um ARTISTA-NA-EXECUÇÃO, ou seja, o desejado é um profissional que se não possui um conhecimento específico, reflita e busque-o, e, assim que o adquirir use-o adequadamente, apropriadamente, corretamente e artisticamente.

Aqui, o uso da palavra “artisticamente” significa que a pessoa incorporou o conhecimento adquirido e desenvolveu a competência de usá-lo a tal nível que estes se tornam inconscientes; se tornam tácitos.

Poucas propostas na área de educação formal, ou corporativa, hoje, promovem esta incorporação de conhecimento e desenvolvimento de competências, e quando o fazem, o fazem de forma limitada, atuando somente em uma ou outra área do conhecimento aliada a uma ou outra competência.

O QUE fazer, penso que está claro, e, o COMO fazer, é por intermédio do resgate das funções das Universidades e do conceito de Universidade Corporativa.

Não este conceito que está sendo popularizado por diversos consultores que nada mais é do que a reformulação do programa de treinamento das empresas, ou no máximo a reedição das Universidades dentro das organizações. Estamos falando do conceito original de Universidade Corporativa; aquele que não compete com a Universidade atual, a Universidade Erudita, mas complementa as suas funções.

A função da Universidade Erudita é desenvolver os conhecimentos científicos, metodológicos e eruditos. A função da Universidade Corporativa é adaptar o profissional aos tempos e desenvolvê-lo para as tendências no futuro.

O que está ocorrendo hoje é uma corrida das Universidades Eruditas para o desenvolvimento de MBA’s que prometem o desenvolvimento de competências, mas a maior “revolução” que estes apresentam na tecnologia educacional é a substituição do quadro negro pelo projetor multimídia, de resto continuam sendo aulas meramente informativas. Do outro lado, algumas Universidades Corporativas resolveram desenvolver suas propostas cometendo erros de gerar programas eruditos ou científicos demais. Muitas Universidades Eruditas e outras tantas Corporativas devem se reformar para incorporar novas metodologias e tecnologias educacionais e promover a revolução NA educação dentro de suas funções.

É necessário que se entenda que a Universidade Corporativa deve trabalhar competências utilizando-se de conhecimentos práticos, aplicados às organizações ou a segmentos profissionais, e, estes conhecimentos são mutáveis, voláteis, mas são necessários naquele tempo. E que, também, podem trabalhar este conceito em parceria com as Universidades Eruditas, mas respeitando suas funções na Sociedade do Conhecimento.

Considerando todos esses pontos, como desenhar, então, um programa de educação corporativa ?

Um bom início vem da UNESCO, que nos dá as dicas de algumas competências e conhecimentos desejados quando seus especialistas nos definem as 8 características do trabalhador do Século XXI:

1. Ser flexível e não especialista demais

2. Ter mais criatividade do que informação


3. Estudar durante toda a vida


4. Adquirir habilidades sociais e capacidade de expressão


5. Assumir responsabilidades


6. Ser empreendedor


7. Entender as diferenças culturais


8. Adquirir intimidade com as novas tecnologias


Porém, antes de darmos início ao planejamento, devemos entender as diferenças entre competências (transversais e verticais) e conhecimento, para só então pesquisar quais são as competências necessárias para cada organização e quais os conhecimentos relevantes ao negócio atual e futuro.

As competências transversais são aquelas que devem permear toda a organização, do funcionário mais simples ao presidente da organização. São aquelas que dão sustentação às características organizacionais, às suas políticas e estratégias que a diferenciam no mercado. Em alguns casos são dependentes do tipo do negócio e estão calcadas nos valores organizacionais.

De uma forma geral, as competências transversais não são tantas assim, mas não é possível trabalhar em todas simultaneamente. O que deve ser feito é buscar trabalhar poucas competências transversais, as que relacionam melhor entre si e, assim que estas estiverem desenvolvidas dentro de um determinado nível aceitável, reformula-se o programa de capacitação em serviço para atuar em outras competências transversais desejadas.

Isto quer dizer que devemos esquecer as competências transversais trabalhadas anteriormente? Obviamente que não, porém a frequência de trabalhos diminui, mas não pode ser completamente esquecido ou eliminado. O custo de manutenção preventiva é muitas vezes menor que o custo de recuperação e, isto é lei de custos administrativos.

Só isso ? Não. Aqui a coisa complica um pouco, mas só um pouco.

Vamos utilizar a quarta característica apontada pela UNESCO como exemplo, 4. Adquirir habilidades sociais e capacidade de expressão, aponta para duas competências básicas que são: saber interagir e saber se comunicar, e, considerando que estas competências têm que permear toda a organização, desde o funcionário mais simples até o presidente, obriga que a proposta de educação corporativa contemple programas diferenciados para todos os níveis hierárquicos e intelectuais. Não é difícil, mas exige planejamento adequado.

E as competências verticais ? São as que dão sustentação ao negócio da organização, qualquer que seja ele, privado ou estatal, lucrativo ou filantrópico.

As competências verticais são as estacas, são os pilares que, associadas a conhecimentos específicos e relevantes ao negócio da organização, dão a sustentação ao próprio negócio. Utilizando a oitava característica apontada pela UNESCO como exemplo, 8. Adquirir intimidade com as novas tecnologias, não podemos imaginar, hoje, um economista que tenha a competência vertical de saber analisar riscos sem dominar uma planilha de cálculo informatizada que o permita testar os indicadores dentro de fórmulas complexas de matemática ? Ou seja, para hoje ser considerado competente em análise de riscos significa ter a capacidade de análise desenvolvida aliadas aos conhecimentos de economia, matemática fundamentados em planilhas de cálculo informatizadas, que ampliam a abrangência e velocidade de análise.

Diferente das competências transversais, as competências verticais necessárias dentro de qualquer organização são muitas e modificam-se com maior frequênciado que as primeiras, pois estão associadas ao negócio que varia de acordo com as tendências do mercado.

Esta modificação frequente exige maior dinamicidade do plano de educação corporativa e uma atenção redobrada de seus planejadores que devem trabalhar bem sincronizado com todos os departamentos da organização, mas principalmente com as áreas que possuem relacionamento externo com o cliente, ou diretamente com os mesmos, pois muitos dos indicadores para um bom planejamento das competências verticais residem lá.

Finalmente, chegamos ao conhecimento, que é o combustível da competência e, como todo combustível, é volátil.

Esta é uma analogia bastante interessante que podemos expandir, pois existem motores (competências) que queimam (se utilizam de) qualquer tipo de combustível (conhecimento), porém o rendimento (eficiência) não é o mesmo. Ou seja, quanto melhor o combustível (conhecimento), melhor será o rendimento (eficiência) do motor (competência). Mas, ao mesmo tempo, o combustível (conhecimento) é volátil, e, perde sua função se não utilizado, inclusive, evapora.

Penso que está claro que não se deve trabalhar conhecimento sem trabalhar competência e não se pode trabalhar competência sem trabalhar conhecimento. Portanto, o planejamento de um programa de educação corporativa deve buscar trabalhar os conhecimentos em conjunto com as competências verticais. De acordo com a UNESCO, esta é a terceira característica, 3. Estudar durante toda a vida.

Basta, então, uma educação que desenvolva os conhecimentos e as competências para usá-los ? A resposta é não, pois o professor Eugênio Mussak, médico fisiologista e especialista em educação, nos informa que a boa educação deve, também, promover e estimular o indivíduo a querer utilizar estas competências e conhecimentos adquiridos.

O professor Mussak profere a tríade psicológica, pensamento-atitude-sentimento, que possui 6 possibilidades de combinação distintas, com relação ao momento que elas surgem, e cada uma destas gera um resultado psicológico diferente. Temos que somente duas destas combinações possuem o pensamento em primeiro lugar, ora, um bom programa de educação é aquele que promove e estimula o indivíduo a pensar (refletir), agir (querer) e sentir (regozijar-se). O interessante é que esta afirmação vem corroborar com o postulado do professor Portugal de reflexão-na-ação e arte-na-execução.

Segundo Protágoras: o homem é a medida de todas as coisas, o que nos induz a concluir que as coisas só evoluem se evoluirmos o homem e, o homem só evolui por intermédio da educação, onde educação desejada é aquela que alia o conhecimento com a competência para usá-lo e, estimula a usá-los.

(*) Engenheiro, doutorando em educação e diretor da Qualiware - marcelo@qualiware.com.br

Fonte : http://www44.bb.com.br e http://307.to/khL

Um comentário:

Rosangela pinheiro disse...

Fantástico!