Por André Forastieri (@forastieri )
Quando eu estava na faculdade, achava uma chatice ter que ficar fazendo trabalhos idiotas, resumos, “fichamentos” de textos. Ano após ano, os professores pediam as mesmas coisas – ler O Manifesto Comunista, um livrinho da Marilena Chauí, outro texto lá do Walter Benjamin.
Propus só meio humoristicamente que os alunos montassem um banco de dados, com cópias de todos os trabalhos entregues nos quatro anos de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.
A ideia era que no ano seguinte, ninguém precisasse fazer mais porcaria nenhuma. Bastava copiar os trabalhos que tiveram as melhores notas.
Os professores jamais iriam perceber. Se não tinham energia para mudar o currículo ano após ano, por que iam ter energia para ler nossos trabalhos com atenção?
Meus colegas não entenderam que não era piada. Isso foi em 1983.
Em 2005, Neery Paharia, ex-consultora na McKinsey, ex-empregada da Creative Commons, fundou uma coisa chamada AcaWiki, uma compilação de resumos de textos acadêmicos, grátis e criada coletivamente.
AS LICENÇAS CREATIVE COMMONS
Faz sentido. A Creative Commons é uma ONG dedicada a reformar o sistema atual de propriedade intelectual. Oferece a criadores de conteúdo a possibilidade de registrar suas obras de maneira diferente das que a lei prevê.
Em vez de “todos os direitos reservados”, geralmente uma licença Creative Commons prevê “alguns direitos reservados”.
Eu acho o Creative Commons muito interessante, e já fundei dois sites de colaboração coletiva que funcionam mais ou menos nesta regras.
São o BIS, blog de música que está dentro da MTV.com.br, e o MOVIE, site irmão da nova revista de cinema da Tambor.
A regra 1 no BIS e no MOVIE é: mande o que quiser, publicamos o que gostamos, damos crédito (e link para seu blog ou site ou post original, se houver).
A regra 2 é: você pode pegar qualquer coisa que estiver dentro do BIS e do MOVIE e publicar onde bem entender, dando crédito e link.
Claro que se você quiser pegar este texto que estou escrevendo neste segundo e colocar no seu blog, não tenho como controlar. Mas se deres o crédito e o link, agradeço. Aproveitando, a reportagem da Fast Company que inspirou este post está aqui.
Agora Paharia começou a Peer2Peer University. Estudantes usam o site para se encontrar, agendar classes, estudar conjuntamente, ensinar uns aos outros. Um “facilitador” voluntário supervisiona o andamento de cada curso e mantém a coisa andando.
Hoje, a P2P University tem dez cursos pilotos e já recebeu um investimento inicial de setenta mil dólares da Hewlett Foundation. Não sou só eu que tenho birra com escola.
Tem gente mais inteligente que eu dizendo que as universidades vão pelo caminho das lojas de disco, das gravadoras e dos jornais: pra lama. E tem gente grande apostando dinheiro alto nisso.
“Por que meu filho não pode estudar robótica em uma faculdade, álgebra em outra e direito numa terceira? Por que não podemos organizar 130 disciplinas diferentes, em escolas diferentes, e dizer que isso justifica um diploma?”
Foi mais ou menos essa a pergunta que o professor David Wiley fez. E que não quer calar. Wiley não é mole. Teve uma visão: depois do open source, o open content.
Co-fundou uma escola grátis, pública e online, que usa conteúdo livre (e grátis) e permite que os estudantes se formem na high school (equivalente deles do médio), estudando de casa.
É sócio de uma nova empresa chamada Flat World Knowledge, que encomenda textos acadêmicos e didáticos para professores e os disponibiliza no site. Eles são grátis para leitura online, US$ 19.95 para download e US$ 29.95 por uma cópia impressa.
A empresa acaba de receber um investimento de oito milhões de dólares. Ou seja: tem grana alta apostando em sistemas alternativos. Se você conhece outras experiências diferentes nessa linha, por favor me avisa.
QUER APRENDER DE GRAÇA?
E as universidades?
Começam a correr atrás do prejuízo. O prestigioso Massachussets Institute of Technology, MIT, já coloca praticamente todo conteúdo de seus cursos disponível online. Apostilas, textos, testes, e bastante áudio e vídeo.
De graça. É o OpenCourseWare. Você pode sair agora deste blog e acessar um curso do que você quiser, preparado por alguns dos maiores gênios do planeta, prêmios Nobel etc. É aqui.
Sabe quantos cursos tem? Mil e novecentos. Só falas português? Não tem problema. Tá cheio de curso em português aqui.
Agora, se você quiser receber um diploma do MIT em qualquer desses cursos – um degree, como dizem lá os gringos – tem que passar por uma peneira desgraçada, mudar para Boston e investir pelo menos uns US$ 200 mil.
Isso faz algum sentido para você? Será que não deveria haver mais graus de cinza entre “formado” e “não-formado”?
Citei o MIT porque é famoso. Mas Yale, Notre Dame, e muitas outras instituições estão indo nessa direção. Várias brasileiras.
Veja a lista dos participantes do consórcio OpenCourseWare aqui.
E se você não está encontrando o curso que quer, pode procurar aqui:
Por enquanto, você não ganha um diploma quando faz um curso desses. Porque, claro, não interessa para as universidades, nem pagas nem públicas.
Mas as coisas mudam e mais rápido do que a gente imagina. Em um país como o Brasil, em que 85% dos jovens de 20 a 25 anos não frequentam faculdade, não é nem previsível: é inevitável.
Um comentário:
Sem comentários, apenas algumas perguntas: a proposta do André seria válida para a escola básica? A EAD é capaz de suprir tudo aquilo que é trabalhado presencialmente? Em que ponto a informação disponibilizada na internet passa a ser aprendizado efetivo?
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