23 de abr. de 2009

Professores pseudo-adolescentes e a síndrome do “Orkut presencial”

Porque o Orkut e o MSN fazem tanto sucesso entre os alunos na faixa etária dos 11 aos 17 anos, justamente quando estão em um período reconhecidamente complexo de suas vidas chamado de "adolescência"?

Não é preciso ser nenhum especialista em psicologia da adolescência para concluir algo que é até excessivamente visível: é nessa época em que os jovens investem quase todas as suas energias nas relações sociais. O Orkut e o MSN são para eles simplesmente expressões modernas da possibilidade de ampliarem e intensificarem seus relacionamentos sociais.

A adolescência é linda! É uma época de descobertas, transformações e inquietações. Os hormônios invadem a corrente sanguínea e despertam, dentre outros efeitos, emoções, sensações e comportamentos diretamente ligados à necessidade biológica de inserção em grupos sociais. O corpo se transforma, os interesses mudam, novas necessidades surgem e os casulos vão se rompendo aos poucos, em uma metamorfose esplêndida.

Metralhados por todos os lados pelo marketing da sociedade de consumo, à caça de valores em um mundo que lhes pode oferecer qualquer coisa, com ou sem valor, em um tempo de suas vidas em que "ética", "moral" e "valores" são conceitos ainda em formação em cada um deles e, contando muito pouco com “modelos adultos” para se inspirarem, como vivem e sobrevivem esses adolescentes? O que a escola tem com isso?

Se os adolescentes não frequentassem a escola, e se não fosse justamente nesse período onde o seu aprendizado é mais prejudicado, a escola certamente não teria com o que se preocupar. Mas não é assim e, justamente por ser a escola atual o ambiente de relacionamento social mais intenso desses adolescentes, é que se faz necessário refletir um pouco sobre como podemos compreender melhor o comportamento adolescente na escola e porque nós, professores, temos um papel importante nesse comportamento.

Se você conhece algum adolescente que procura ficar sozinho, não tem muitos amigos e “não se entrosa muito bem com os demais”, fique de olho, ele pode estar com algum problema! Você já deve ter ouvido isso muitas vezes, não é mesmo? É claro que existem adolescentes assim, “quietos”, mas, ou eles realmente têm problemas, ou são exceções e podem ser eliminados da regra geral sem prejuízo do raciocínio.

Quando colocamos dois adolescentes juntos em uma sala fechada, rapidamente eles engatam alguma conversa. Se colocarmos dez deles em uma sala, sairá de lá uma grande discussão e uma conversa desorganizada beirando ao caos. Com vinte deles já temos uma situação onde é praticamente impossível manter qualquer conversa sem gritar no ouvido do outro, tamanho é o barulho das tantas conversas paralelas entre eles. Por fim, se juntarmos trinta ou quarenta deles em uma mesma sala, sabe o que teremos? Teremos uma sala de aula! :)

É bastante comum ouvirmos expressões como: “os adolescentes de hoje não tem limites”, “fulano não teve educação em casa”, “sicrano não tem noção de civilidade” ou “beltrano não consegue ficar quieto”. Sem contar as famosas queixas “daquela quinta série insuportável”, “daquele primeiro colegial que fala o tempo todo”, e por aí vai... É raro um professor que consegue falar para sua turma de adolescentes sem que algum deles lhe interrompa para soltar alguma gracinha, ou que simplesmente ignore a fala do professor e engate uma conversa com o colega ao lado. Quase tão raro quanto encontrar um professor que compreenda que “esse é o estado natural de convivência dos adolescentes”.

Adolescentes não respeitam uns aos outros, eles competem por popularidade, liderança e destaque no grupo. Adolescentes desconhecem a mecânica das conversações argumentativas, eles disputam opiniões no grito e, às vezes, no braço. Adolescentes não têm interesse por temas desvinculados de suas problemáticas pessoais e momentâneas, eles passam o tempo todo conversando sobre si mesmos. É isso que fazem no Orkut, é isso que fazem no MSN e é isso que fazem na moderna versão presencial desses ambientes: a escola!

Se hoje é muito difícil mantê-los calados ou focados em outra coisa que não seja neles mesmos, não é porque os adolescentes mudaram muito em relação ao que fomos quando éramos adolescentes, mas porque mudou a escola, a sociedade e os valores que pais, professores e alunos cultivam. É dessa mudança, desigual, assíncrona e despropositada, que nascem os conflitos em sala de aula, teorias pedagógicas conflitantes propondo resolvê-los e, invariavelmente, duas situações inconciliáveis: a do professor que vive profundamente incomodado com a “falta de modos” dos seus alunos, e a dos alunos, que vivem profundamente insatisfeitos com o professor que lhes incomoda e tenta impedi-los de fazer aquilo que eles vêm como necessário e natural na escola: socializarem-se.

Se houve um tempo em que dois alunos conversando, enquanto o professor falava para a classe toda, era visto como falta de educação, hoje os alunos vêem como impertinente o comportamento do professor que lhes chama a atenção e pede que encerrem sua conversa. Mas porque isso acontece? Porque os alunos hoje se sentem no direito de enxergar na escola apenas um “Orkut presencial”? E porque isso se dá, surpreendentemente, apenas com alguns professores e não com todos?

Se você perguntar para um aluno porque que ele conversa na aula do professor X e fica quieto na aula do professor Y, ele provavelmente lhe responderá que é porque o professor Y é chato, pega no pé, não tem respeito pelos alunos e por qualquer bobagem toma atitudes punitivas injustas. Enfim, o professor Y, que o aluno parece não gostar, mas respeita, é bastante diferente do professor X, que o aluno invariavelmente gosta mais e respeita menos. O que torna o professor X diferente do professor Y não é realmente a simpatia, a equidade, a justeza de atitudes ou qualquer outra coisa do gênero, mas sim, e tão somente, o grau de “pseudo-inserção na turma” que cada professor tem.

Professores do tipo X que, como adolescentes, convivem com a algazarra e se fazem ouvir pelos berros que dão, são, aos olhos dos seus alunos, adolescentes crescidos e ridículos que podem ser ignorados como membros desqualificados da turma, como outros adolescentes sem importância dentro do “grupo-sala”. Quando esses professores têm seus acessos de fúria e exigem respeito, os adolescentes os vêm como colegas sem mérito disputando a liderança do grupo e, não raro, vê-se um grupo todo de adolescentes insurgindo contra esses professores e criando verdadeiras “brigas de torcida”, onde o professor em questão ouve os mesmos elogios que os árbitros de futebol. Ainda que esses professores sejam apontados muitas vezes como os “mais legais”, eles só são apontados assim quando não estão em situação de conflito e nem tentando subverter a “ordem adolescente” estabelecida na sala de aula. As aulas desses professores são classificadas pelos próprios alunos como “perca total” (corruptela de "perda total"; expressão que tem um significado mais ou menos próximo de “aula onde não se aprende nada, mas que pelo menos se pode fazer a bagunça que quiser”).

Do outro lado, o professor Y, aquele sujeito chato, injusto, pegajoso, que pune por qualquer bobagem, exige silêncio durante suas falas, “explica mal”, “é mal educado, grosso e arrogante”, etc. etc., distanciando-se, propositadamente ou acidentalmente, do perfil adolescente, é visto como o “adulto chato”, “aquele que manda”, “aquele que não compreende o adolescente” e que, por isso, não pode e nem deve ser tratado como se fosse do grupo. Ele não merecerá elogios fáceis e receberá muitas críticas, mas será tratado como o “macho alfa” do bando (ou “fêmea alfa”, se for mulher). Se for justo e fizer uso de sua autoridade nos estritos limites do seu dever de ofício, acabará por conquistar o respeito “natural” de alguns alunos e poderá até mesmo se tornar modelo para os líderes dos diversos bandos adolescentes que disputam liderança entre si. Um dia talvez seja lembrado como “o Sr. Y, aquele que era f..., mas era legal e ensinava prá valer”.

Um pouco por obra da mídia, outro tanto pela adoção pela sociedade de um modelo de “ética de consumo” mas, principalmente, por demérito próprio, o professor, seja lá qual for o perfil dele, X ou Y, sempre encontrará pela frente novas turmas que disputarão consigo a liderança da classe. E essa é a grande diferença em relação às gerações passadas! Talvez, a única diferença significativa.

Nessa luta, se ele for do tipo X, rapidamente se dará um “acordo em desacordo de cavalheiros com modos rudes”, onde o professor aceitará passivamente uma liderança compartilhada em troca da pseudo-simpatia dos alunos (que, na verdade o desprezam pela frouxidão que demonstra e jamais o pretendem como modelo) e do baixo nível de cobrança que terá deles e do sistema (que tende a premiar ou ignorar o professor que passa desapercebido).

Se ele for do tipo Y terá de enfrentar vários adolescentes que disputam entre si (e não com o professor!!!) a liderança de seus grupos e que vêm no conflito com o “macho-alfa” (ou “fêmea-alfa”) uma forma de demonstrarem sua valentia; enfrentará, muito possivelmente, gestores que alegam já terem muita burocracia para cuidar e se incomodam quando há conflitos e questões pedagógicas para lidarem; terão de encarar pais que, tendo compartilhado a liderança de seus lares com seus filhos adolescentes, mas tendo também que vestir a fantasia de “pais protetores” perante a escola e a sociedade em geral, cobrarão desses professores “mais justiça com seus filhos”, “mais compreensão”, “mais tolerância”, enfim, mais tudo daquilo que eles mesmos deram tanto a ponto de perderem até mesmo a noção de que os seus filhos adolescentes, por mais incríveis que sejam e por melhor compreendidos que forem, serão apenas adolescentes até o dia em que conseguirem se tornar adultos (quiçá, bons adultos baseados em bons modelos).

Atualmente existe uma confusão muito grande entre o que se deve entender por “professor autoritário” e o que significa ser um “professor com autoridade”. Professores autoritários já estão extintos, foram-se junto com a escola autoritária, com os pais autoritários e com a sociedade autoritária de outrora. Nenhuma escola, lar ou instituição social, e creio que nem mesmo o próprio exército, consegue ser “autoritário” no contexto social em que vivemos. Donde decorre que o único meio pelo qual o professor pode garantir sua autoridade consiste justamente na sua capacidade de manter a autoridade que ele naturalmente tem por obra de seu ofício, pela compreensão da importância de representar um bom modelo adulto para os seus alunos e pela fibra moral de seus valores pessoais. O professor já vem para a escola com sua autoridade embutida nele. Ele pode perdê-la, abrir mão dela ou, simplesmente, não encontrá-la em si mesmo, mas ele não precisa buscá-la em nenhum outro lugar.

Ser capaz de gerir os conflitos em sala de aula, estabelecer regras justas, torná-las de conhecimento geral, não modificá-las por simpatia ou antipatia com alunos específicos e fazê-las cumprir com equidade e justiça; compreender as causas e formas de conflito mais comuns, manter-se sempre no nível superior das tomadas de decisão e não se deixar confundir com os próprios adolescentes em disputa; não se permitir ser influenciado psicologicamente pelos alunos e não perder o seu controle emocional, seus objetivos pedagógicos e suas metas como educador; isso tudo não é nada além do que a obrigação mínima de qualquer professor adulto.

Enfrentar os desafios que se seguem naturalmente dessa postura, orientar alunos e pais de alunos, administrar os conflitos com a gestão da escola e, ao final, produzir alunos com melhor aprendizado, mais habilidosos e capacitados para enfrentar uma vida de adultos, proporcionando a eles um modelo adulto de professor; isso tudo não é nada além do que a obrigação mínima de qualquer professor adulto.

O Orkut e o MSN são, naturalmente, espaços virtuais livres para a socialização dos adolescentes. O pátio da escola, a balada de fim de semana, o passeio com os amigos, as rodas de conversa nas calçadas, todos esses, são espaços reais livres para a socialização dos adolescentes. A sala de aula não! A sala de aula é um espaço para a socialização do conhecimento.

A sala de aula NÃO É um “Orkut presencial".


Fonte: http://aprendendoaensinar.blogspot.com/2009/04/professores-pseudo-adolescentes-e.html

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Robson, eu já tinha feito um comentário sobre este artigo, por sinal, muito bem escrito.

Eu tenho questionado muito a minha forma de trabalhar em sala de aula, e cada vez me convenço mais que o estilo de ensino unilinear (professor --> aluno) morreu e está cheirando mal.

Nesta questão, não cabe apenas utilizar recursos digitais para tornar a aula mais interessante, se o modelo unilinear persiste.

É perceptível que boa parte do que chamamos de indisciplina, na verdade é estrutural e está relacionada com a condição multilinear de comunicação em que vivemos, principalmente nas redes sociais.

Cabe, então, à escola, discutir formas de adaptar a realidade educacional a estas necessidades de compartilhar informação. E mais ainda, transformar estas informações em conhecimento.

Acontece que, em se tratando de escola, não cabe modismos e tentativas suicidas. Como já discutimos, a escola demora a se adaptar ao novo.

Seria interessante, então, testar novas fórmulas em ambientes propícios. Curitiba é uma cidade-laboratório. Por que não adaptar a idéia nas escolas?

Desta forma, as mudanças ensejadas no ensino poderiam aparecer, mesmo que em ritmo lento.

Minha opinião,
Um grande abraço
Obs.: que texto gigantesco ¬¬

Prof. Michel Goulart disse...

Inseri esta discussão na comunidade blogs educativos. Vamos ver se repercute. Um abraço