Filmes feitos com o uso de telefones celulares deixaram a fase de engatinhar e a marginalidade para conquistar a maioridade e espaços mais prestigiosos. No Brasil, por exemplo, o elogiado Andrucha Washington dirigirá a série Retrato Celular, no Multishow, que vai revelar auto-retratos de jovens de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte.
Já a MTV produz o seriado Gordo Viaja: oito capítulos em que o apresentador João Gordo mostrará o que filmou com seu celular em viagens por quatro continentes.
Aqui na França, recentemente foi realizada a terceira edição do Pocket Films, festival internacional de filmes feitos com telefones celulares, promovido pelo Forum des Images. Os organizadores selecionaram para a competição 26 dos mais de mil filmes inscritos originados de 30 países, entre os quais representantes do Brasil. No total, 190 filmes foram exibidos nos três dias de festival, no Centro Georges Pompidou, em Paris, para um público de mais de seis mil espectadores (filmes do Pocket Films podem ser vistos no site (http://www.festivalpocketfilms.fr).
Terra Magazine conversou com Laurence Herszberg, diretora do Forum des Images, sobre o festival e a nova safra criativa de filmes feitos com telefones celulares.
Terra Magazine - Qual o balanço do festival deste ano?
Laurence Herszberg - Foi uma edição formidável. Mil filmes inscritos ultrapassa um ensaio, uma tentativa e já começa a se tornar um movimento de expressão, presente em todo o mundo. Foram 30 países representados. Muitos dos inscritos, de diferentes nacionalidades, estiveram presentes, puderam discutir entre si, trocar idéias, saber como cada um filmava. Um turco e um dinamarquês não filmam da mesma maneira. Os japoneses já têm um outro olhar. As pessoas conservam suas especificidades culturais. Mesmo se é o mesmo aparelho de telefone, da mesma marca, o mesmo objeto familiar a todos, o que conta é o olhar e não o instrumento.
Como você definiria o filme feito com o uso do telefone celular?
É complicado dar uma definição. Nos damos conta de que há, antes de tudo, uma espontaneidade, uma liberação. Quem faz diz que há um certa espontaneidade no ato de filmar, que muda o olhar, porque a câmera está todo o tempo no bolso. E também porque não se filma da mesma maneira com essa câmera, se filma de uma maneira mais intuitiva. Muitas vezes não se gruda mais o olho na lente. É liberado o olhar entre quem filma e quem é filmado. Isso se sente. Há ainda filmes experimentais, há documentários, narrações e longas-metragens de mais de uma hora de duração. Há mais do que uma curiosidade do público, pois há pessoas que vêm todos os anos. E há também em uma parte do público a questão: "Será que isso não me permitiria passar a uma forma de expressão artística?". Sabe-se que não é porque alguém tem um telefone celular que vai se tornar um criador, mas, por outro lado, há aqueles que estão na fronteira da criação e que talvez poderão passar a fazer algo.
A qualidade dos filmes melhorou?
Já não se está mais no estágio da aprendizagem do aparelho. Há verdadeiras pesquisas de expressão. É um meio que ainda está em descoberta, mas já há formas de expressão bem particulares. Nota-se um interesse crescente, mas, mais do que isso, todo o mundo se dá conta de que estamos no começo de uma verdadeira revolução, que poderá mudar os meios de produção, de uma parte da escrita cinematográfica.
Na questão da qualidade da imagem, a tecnologia tem proporcionado uma melhora muito rápida.
Alguns não querem uma melhor qualidade, querem continuar com o grão de imagem mais espesso. Para outros isso já é um problema superado, conseguiram obter uma qualidade de imagem ótima. Veja, por exemplo, o filme que foi premiado pelo público, o francês Reverse Love (de Morgan Földi-Möhand, 3min). O filme mostra um jovem e uma jovem que caminham um ao encontro do outro enquanto todas as pessoas ao redor recuam. Filmado com o telefone celular, as imagens dos personagens ficaram bastante fortes e o resto aparece menos detalhado. O resultado foi muito interessante. Gostei muito do filme turco Sorrow (de Deniz Buga e Onur Karaoglu, 6min). A impressão é a de ser cinema, mas se percebe a particularidade da filmagem com o telefone celular.
Há o interesse do público, mas também de diretores reconhecidos.
Sim, os diretores começam a se interessar. Isso não quer dizer que Martin Scorsese vai logo passar a usar o telefone celular, a questão não é essa. Mas, por exemplo, Joseph Morder, um cineasta que fez vários filmes, diz: "É algo que me interessa, que vou continuar usando". Pois há essa espontaneidade no ato de filmar. Mesmo da parte de diretores conhecidos há um interesse. Nós não estamos provocando nada, apenas seguimos o movimento e observamos o que se passa. E sentimos que as pessoas estão na expectativa do que vai acontecer com isso daqui para a frente. Isso abre novos horizontes, algo que nem imaginávamos quando o festival começou há três anos.
Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1727626-EI6782,00-Uma+ideia+na+cabeca+e+um+celular+na+mao.html
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