07/09/2007
É inegável a presença da tecnologia em nosso cotidiano. E anestesiados pela sublimação do consumo, não percebemos que tais aparelhos vão além do sentido de “extensões do corpo”: eles parecem próteses. Temos a sensação que não mais podemos caminhar, falar, observar, ouvir sem eles. O nosso mundo é a intermediação.
Em forma de aparatos cada vez mais multifuncionais, a avidez do mercado acompanha o mesmo discurso [assim interpretado hoje] daquela charge que criticava a teoria de Darwin de 1859: sempre a última versão, a mais atual, é a melhor.
Observando bem, dos cinco seres do desenho, que circula por aí desde 1860, o quarto elemento é quem carrega uma ferramenta [símbolo de inteligência]. Mas é a última “geração”, o Homo sapiens que, curiosamente, não carrega nenhum aparato. Mas ele sim deveria trazer nas mãos alguma coisa que simbolizasse o domínio da selvagem natureza que ficou para trás. Sei lá, com essas mãos vazias, parece lhe faltar um iPod ou um livro que tenha a palavra “segredo” na capa. Mas não. Suas ferramentas estão internalizadas. E sua maior ferramenta aparente é o próprio corpo, desnudo de pêlos e feições animalescas, preparado para a percepção da realidade e para intervir nessa mesma realidade.
Voltemos ao contemporâneo tecnológico. Nossos aparelhos celulares, como próteses, extensões ou qualquer outra qualificação mais teorizada que você queira lhes dar, também faz chamadas telefônicas. Sim, o celular é um exemplo de aparelho que cada vez mais fotografa, grava sons e registra filmes em vários formatos, tempos e qualidades. Sempre tem uma tampa, digo, um celular para cada tipo de bolso.
Uma outra tecnologia que nos acompanha desde 1950 [no Brasil] é a televisão. Afirmar que há muito tempo os hibridismos da linguagem já estão arraigados na televisão já se tornou um lugar-comum. Mas essa mídia ainda consegue surpreender. E não estou falando da TV digital, falo em termos de linguagem. Na TV aberta, poucos são os programas mais “inteligentes”, salvo a programação da TV Cultura. Podemos arriscar em dizer que alguns canais da TV fechada, de fato, possuem uma programação inteligente. E, assim, surpreendente.
A série “Retrato Celular”, que estreou dia 4 de setembro, às 21h45, no canal fechado Multishow, é um programa produzido em parceria entre o canal e a produtora independente Conspiração Filmes, a mesma que produziu Dois Filhos de Francisco e a série Mandrake, entre outros êxitos. Serão oito episódios de 30 minutos, com direção de Andrucha Waddington, jovem diretor e produtor de cinema e publicidade, casado com a atriz Fernanda Torres.
O programa retrata através do celular o universo de 34 jovens, entre 21 e 30 anos. As cidades escolhidas são Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. A idéia é trazer à luz discussões como independência, beleza, paternidade, traição, amizade e futuro. As linguagens de documentário e reality-show confabulam para criar o clima de realismo aos personagens e histórias, buscando a diversidade de olhares e comportamentos em 120 horas de material bruto de celular. Outras câmeras foram usadas (HDV) no total de 23 horas de entrevistas.
Jovens que, com idéias na cabeça e celulares em mãos, filmam e são filmados. São o eu e outro fundidos pela tecnologia digital, mediados pela linguagem televisiva. É esse tipo de experimentação que só é possível na mescla de linguagens. Isso torna as tecnologias fascinantes, justamente por nos fazer pensar nas formas emergentes de produzir sentidos na cultura de massas. O maior diferencial do programa é trazer ao público a experiência de tentar perceber quais olhares estão dentro de outros olhares.
O olhar do jovem, através do celular, através da montagem e edição do diretor, através da televisão. As mídias promovem o encontro virtual de jovens de vários pontos do país para depois, organizadas em série e entre um intervalo e outro, serem novamente espalhadas e fragmentadas pelo país via TV por assinatura.
Narcisos, nós? Não. Gostamos de olhar, pois isso faz parte da nossa evolução, da nossa natureza. Somos seres digitais, tecnológicos, mas acima de tudo, imagéticos.
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