Thiago (em primeiro plano) em lan house no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro.
“Venho aqui dez vezes por dia. Aqui me sinto melhor que na minha casa”, diz
Thiago Cristófaro tem 16 anos e não se lembra de quando foi apresentado à internet: “Quando eu nasci, ela já não existia? Não sei como os garotos da minha idade viviam sem isso”. Thiago é estudante do 2º ano do ensino médio, mora no Engenho de Dentro, na zona norte do Rio de Janeiro, e freqüenta os centros públicos de acesso à internet, conhecidos como lan houses (do inglês LAN, sigla para “rede de acesso local”). Ele diz que gosta do clima das lans. “Todos os dias faço amigos. Parece que é festa o tempo todo.” Thiago afirma gastar boa parte de sua mesada na lan house, que cobra R$ 2,50 por hora. Conta que passa horas com os amigos em jogos com nomes estrangeiros como Counter Strike e Need for Speed. Diz que também usa a rede para pesquisar trabalhos da escola e visitar o site YouTube atrás de clipes de hip-hop. “Eu me correspondo pelo MSN com amigos da Bahia, trocamos fotos, vídeos e idéias”, afirma. “Venho dez vezes por dia. Aqui me sinto melhor do que em casa.” Para Thiago, estar na internet é uma forma de aprendizado: “Ela é uma janela para o mundo, não é o que dizem por aí? Quem não está na internet, está fora do mundo”.
Thiago é um dos 20 milhões de internautas brasileiros de baixa renda que não têm computador. Para eles, a principal alternativa para acessar a rede são as dezenas de milhares de lan houses encravadas em favelas ou espalhadas pela periferia das grandes cidades. “A Rocinha, na zona sul do Rio, tem mais de cem lan houses”, diz Antonio Carvalho Cabral, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. Em Antares, na cidade de Santa Cruz, extremo oeste da Grande Rio, Cabral conta que viu sete lan houses, mas nenhuma padaria. Em Fortaleza, no Ceará, há uma rua onde as lan houses ficam uma ao lado da outra – e cada uma é de um dono diferente.
Um estudo recente do Comitê Gestor da Internet (CGI) afirma que em 2005 apenas 4% dos membros da classe E, que ganham até um salário mínimo, usavam lan houses como meio de acesso à rede. Em 2006, o porcentual pulou para 46%. Foram 78% em 2007. O fenômeno se repete na classe D, que ganha até dois mínimos. Em 2005, 25% usavam lan houses. Em 2007, 67%. “No ano passado, as lan houses se tornaram o principal local de acesso da população”, diz Mariana Balboni, a responsável pela pesquisa do CGI.
A principal razão para a explosão das lan houses é o aumento de renda da população de baixa renda nos últimos anos. Mas essa não é a única explicação. A explosão na venda de computadores, impulsionada pelo corte nos impostos promovido pelo governo federal, tornou o país o quinto maior mercado de PCs – foram 10,5 milhões vendidos em 2007. Só o Programa Computador para Todos, em que o governo financia máquinas de até R$ 1.200 para famílias de baixa renda em até 24 prestações, respondeu desde 2003 pela venda de 300 mil PCs. Com essas condições, eclodiu uma febre de empreendedorismo nas comunidades carentes. Milhares de pequenos comerciantes compraram computadores e inauguraram lan houses. A multiplicação das lans resultou no enorme salto no total de brasileiros que acessaram a rede pela primeira vez desde 2005.
Em paralelo, o governo está implantando telecentros de acesso gratuito nos 5.500 municípios brasileiros. Eles já atendem 6% dos internautas. A demanda parece ilimitada. “Apesar de gratuito, o telecentro impõe várias restrições de acesso. Não se pode jogar nem acessar os sites de relacionamento como o Orkut”, diz Cabral, da FGV. “Isso afasta os jovens, que preferem as lans.” Cabral afirma que a maioria das lan houses que cobram R$ 1 a hora só consegue oferecer um preço tão baixo porque trabalha na informalidade, não paga impostos e usa software pirata. Muito da proliferação das lan houses se deve ao papel que desempenham nas comunidades. “São ambientes familiares. Os donos não vendem cerveja nem deixam os jovens visitar sites pornográficos”, afirma Cabral. É comum ver os pais deixando seus filhos na lan antes de ir trabalhar. “É melhor deixar os filhos na lan house do que na rua, correndo o risco de ser aliciados pelo tráfico”, diz Cabral.
A babá Rosilândia, fotografada em lan house do Rio, afirma usar a internet para conhecer o mundo.
“Não sei se um dia vou sair do Brasil, mas não preciso conhecer só a Rocinha”
A pesquisa do CGI revela que 60% dos jovens entre 16 e 24 anos têm nas lan houses o principal local de acesso à rede. Elas são na maioria das vezes a única forma de lazer dos jovens da periferia. “As lan houses estão onde os jovens estão. É lá que eles se encontram para conversar e flertar. Parece um shopping de periferia”, diz Balboni. Era natural, portanto, que passassem a oferecer novos serviços ao público jovem. Festas de aniversário, que aconteciam nos restaurantes da rede McDonald’s, agora são celebradas nas lan houses. Segundo Cabral, na Rocinha aconteceu até uma Festa das Lan Houses, onde centenas de freqüentadores se reuniram vestindo camisetas com o nome de sua lan.
Se de dia o público é formado por jovens, à noite chega a vez dos adultos. “Sou apaixonada por moda”, afirma a babá Rosilândia Carvalho de Freitas, de 25 anos. É pela internet que ela fica sabendo das novidades nas badaladas Fashion Weeks do Rio e de São Paulo. Moradora da Rocinha, ela pôde ver o que Gisele Bündchen mostrou na passarela e ficou por dentro da moda do próximo verão. Para navegar na internet, Rosilândia gasta R$ 1 por hora. Com um salário de R$ 600, ela paga um curso técnico de enfermagem e não tem computador em casa. Fica até tarde da noite em frente ao PC de aluguel. “É nessa hora que conheço o mundo.”
Além das novidades da moda, Rosilândia usa e-mail e programas de mensagens instantâneas para se comunicar com os parentes em Reriutaba, sua cidade natal, no Ceará. “Fala” com a mãe, irmãos e primos a 3.000 quilômetros de distância. “Por causa da internet, eles fazem parte da minha vida, sabem o que acontece comigo. Agora não me sinto tão só”, diz. Na lan house, Rosilândia pesquisa para o curso de enfermagem e sonha com um universo além de seu cotidiano. “Na semana passada, conheci um museu lindo em Paris. Também passei pela Dinamarca e é lindo”, diz. “Não sei se um dia vou viajar para fora do Brasil, mas nem por isso preciso conhecer só a Rocinha.”
A expansão das lan houses pelas periferias traz um desafio: elas já chamam a atenção dos poderes paralelos. “A milícia e o tráfico começam a cobrar taxas dos donos das lans a título de segurança”, diz Cabral. “Há PMs que, por causa do software ilegal, pedem propina para manter a lan house aberta.” Transformar a realidade das comunidades de periferia não é o papel das lans. Mas, ao criar uma janela virtual para fora dela, contribuem para dar esperança de que essa mudança seja possível.
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