16 de jun. de 2010
A exploração dos mundos virtuais
Na era do ciberespaço, o ensino tradicional tem o papel de levar o aluno a ser o explorador do seu universo de interesses
Rogério da Costa
Levando-se em conta as características do ciberespaço, fica claro que os indivíduos podem aprender de modo diverso do que é proposto pelo sistema professor-aluno, que é possível aprender quando trocamos idéias com outras pessoas e que, ao relacionarmos informações dispersas, estamos, de alguma forma, produzindo conhecimento.
A navegação em rede, cabe lembrar, significa basicamente a possibilidade de explorar, de um modo não-linear, universos distintos de informação e conhecimento. E a idéia de exploração, por si só, já nos convida a refletir sobre a aprendizagem de uma maneira distinta daquela que comumente entendemos: a recepção do conhecimento apenas por intermédio do professor.
A própria atividade de exploração dos mundos virtuais requer um aprendizado! Isso nos leva a crer que o ensino tradicional, por sua vez, terá um papel importante a desempenhar nesse aspecto: ensinar o aluno a ser, ele próprio, o explorador de seu universo de interesses.
As comunidades virtuais e o aprendizado coletivo que elas implicam constituem também aspecto fundamental da navegação em rede. Aprender a aprender coletivamente com certeza é uma outra tarefa para o ensino presencial, sendo que não é produtivo, nesse caso, estabelecermos uma concorrência entre o ensino por meio de ambientes virtuais e o ensino presencial. Eles podem ser vistos como perfeitamente complementares.
O fato de estarmos sendo provocados a pensar o ensino via Internet, com todo o desafio que isso significa e com toda a riqueza que ele nos promete, nos faz refletir sobre a própria arquitetura do ensino tradicional que temos hoje. Isso nos leva a crer que nossa relação com o ensino presencial se tornará cada vez mais complexa, mais crítica e, esperamos, mais rica em mudanças e inovações.
O processo de aprendizagem no ambiente virtual
Os desafios da aprendizagem em ambientes virtuais promoveram inúmeros debates já nos primeiros anos do surgimento da web. Essas discussões lembravam, acertadamente, que na sala de aula os alunos estão sob a influência direta do professor, ou instrutor. Há expectativas sociais sobre, por exemplo, o que o professor fará, se perguntará algo, como avaliará uma pergunta, o que os outros comentarão etc. O ambiente é social. Há pessoas de quem gosto, que me olham, ou, ao contrário, de quem não gosto etc. Há também um comportamento de aprendizagem, pois posso levantar a mão para fazer uma pergunta, resolver uma dúvida em segundos perguntando ao colega ao lado, há silêncio durante os exames etc. Na sala, sobretudo, o controle pertence ao professor. Isso significa que ele pode exigir dos alunos determinado comportamento: “olhem para cá”, “prestem atenção neste ponto”, “comecem a prova agora” etc.
Em casa, diante de seu computador, não há expectativas sociais, pois o estudante está em seu próprio ambiente, e o professor chega ao ambiente do estudante quando este assim o deseja. Ele não está preocupado com o que o professor dirá, ou não, sobre seu comportamento. E o modo como ele se comporta com o computador só ao próprio estudante interessa. Neste caso, o controle pertence ao estudante.
A pergunta que se faria nesse momento é: se não podemos fazer com que as pessoas façam o que queremos que elas façam, como podemos ensiná-las? Resposta: nós ensinamos de um modo que se alinhe com o que as pessoas já desejam fazer. E isso começa por compreender que cada um tem um estilo de aprendizagem distinto. Há pessoas que possuem uma capacidade enorme de lembrar do que viram; outras são excelentes em recordar o que ouviram. E há ainda as que são boas nas duas capacidades cognitivas. Mas também há os que precisam fazer, ou exercitar, uma atividade para sedimentar conteúdos na memória, ou os que precisam da repetição para pensar e refletir sobre um assunto e, assim, consolidar um conhecimento.
O desafio de cursos virtuais seria o de fornecer informações às pessoas em seu próprio estilo de aprendizagem. É difícil para as pessoas mudarem esse estilo, seja em sala de aula, conferências, seja via computador. O importante, então, seria dar oportunidade para que cada estilo de aprendizagem encontrasse na ferramenta apoio e estímulo.
É preciso desenvolver instrumentos para quem aprende de forma sequencial, global, colaborativa, ou de modo autônomo. Quem aprende é um indivíduo, e apesar de termos métodos diferentes de ensino, cada indivíduo aprende da mesma maneira estando em sala de aula ou na web, pois o modo como ele fixa a informação em seu cérebro é basicamente o mesmo. O que muda é o controle das ações.
Redes sociais e aprendizagem
Qual seria o papel das redes sociais nas escolas? Essa pergunta ainda é colocada por inúmeros gestores, que mostram preocupação, ou insegurança, em relação ao uso de ferramentas colaborativas em seus programas pedagógicos. Acontece que o foco das redes sociais e das comunidades virtuais que elas promovem está tanto no conteúdo quanto nas pessoas, tanto no que alguém disse quanto em quem disse o quê. Afinal, são as pessoas que levam consigo as informações sobre os conteúdos, ou sobre como se chegar até eles. São elas que incentivam, sugerem, inclinam, influenciam os alunos na investigação sobre conteúdos.
Mas no caso dos alunos, quem são essas pessoas? São os professores, os amigos de classe, os professores de outra classe indicados por colegas que assistiram e gostaram de seu curso, os amigos dos amigos, os pais e parentes, os colegas de clube etc.
Essas pessoas constituem a rede pessoal de cada aluno e, acreditem, elas são a coisa mais interessante na vida de cada um, aquilo que mais mobiliza sua atenção voluntária.
Essa atenção voluntária é uma espécie de energia preciosa que não podemos desperdiçar, ao contrário, devemos estimular e alimentar de forma a capitalizá-la para a produção de conhecimento. As redes sociais, formadas com o auxílio da rede de computadores e celulares, é uma das experiências atuais mais consistentes de consolidação, expansão e capitalização das redes pessoais. E as comunidades virtuais, que as precederam, existem há mais de 20 anos!
Mas apenas recentemente as redes sociais tornaram-se um fenômeno que chamou a atenção da investigação científica e, também, do mundo empresarial. Esse fenômeno nos revela que é essencial organizar a possibilidade de relação entre as pessoas, as diversas formas pelas quais elas entrarão em sinergia e, como consequência, transmitirão informações e construirão conhecimentos.
A produção e a organização de conteúdos, desse ponto de vista, deveriam depender fundamentalmente da forma como a relação entre as pessoas é estabelecida. As redes sociais organizam de forma transversal a comunicação entre usuários e conseguem fazer com que os conteúdos circulem. Circular significa estar vivo. Conteúdo organizado que não circula é conteúdo desvitalizado!
O fato é que, de alguma maneira, estamos começando a perceber que as pessoas desempenham, em boa parte de seu tempo, o papel de índices de informação para outras pessoas, e isso não é diferente no âmbito da escola.
Convergência cultural na Internet
O uso da rede mundial de computadores já está integrado a todas as formas e a todos os níveis de ensino. A expansão inigualável desse meio de comunicação marca uma mutação profunda vivenciada em relação à pesquisa, que se afirma cada vez mais como diagonal, transdisciplinar, coletiva, colaborativa, desenvolvida para além das fronteiras das instituições.
Já é evidente o papel e a importância da Internet na promoção de grandes redes de ensino, aprendizagem e pesquisa. As funções de produção de conhecimentos e de difusão de informações encontram-se cada vez mais distribuídas entre inúmeros agentes através da web. Atualmente, não apenas as instituições de ensino superior contribuem com a disponibilização de conteúdo educativo e informativo na rede, mas também as bibliotecas, museus, editoras, jornais, rádios, televisões, revistas, empresas e as mais diversas organizações. As empresas, não nos esqueçamos, têm sido, nos últimos tempos, grandes promotoras de encontros, colóquios, congressos e debates por todo o mundo.
Desde cedo, com o advento da web, muitos foram os atores e várias as iniciativas de se construírem redes de conhecimento autenticado através da Internet. Sites de grandes museus, destacadamente, puseram-se a oferecer um número significativo de cursos virtuais, além de fóruns de discussão, artigos e links para sites com temas relacionados, entre outros recursos.
Todo esse processo de multiplicação dos agentes produtores e difusores de conhecimento, e de consórcios entre instituições culturais na Internet traduziu um grande desafio: a democratização do acesso aos conteúdos autenticados.
Em 2004 e 2005, surgiram duas iniciativas que mudariam o quadro da produção virtual de informações e conhecimentos na web: Wikipedia e YouTube. Ao lado da consolidação global do Google como mecanismo de busca, a Wikipedia se consolidou como uma efetiva inteligência coletiva que produz incessantemente um espaço de referência de conhecimentos e informações, uma enciclopédia universal virtual feita por colaboradores de todo o mundo.
Na esteira dessa inovação, por si só tão evidente, deu-se a iniciativa do You Tube, uma enciclopédia de outra natureza, audiovisual. Agora todo tipo de pesquisa acaba ganhando uma direção privilegiada, Wikipedia e YouTube, que por sua vez redistribui o sentido das pesquisas para outros sites, onde se pode aprofundar aquilo que se procura. Atualmente, Wikipedia e You Tube são incontornáveis em qualquer processo de ensino e aprendizagem, não porque não possamos escapar deles, mas porque é sempre muito interessante consultá-los sobre qualquer assunto.
Sobre o autor
Rogério da Costa é filósofo, professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Fonte: http://www.ondajovem.com.br/materiadet.asp?idtexto=423
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