7 de nov. de 2009

Aprender a aprender


Prof Izaias Resplandes
Publicado no Recanto das Letras em 20/07/2008
Código do texto: T1088705

“Ser ou não ser: eis a questão”. Apesar de sua idade centenária, a enunciação shakesperiana continua atualíssima, em face da constatação fática de que a posse do mundo se dá numa ordem inversamente proporcional ao crescimento do conhecimento que se tem dele. Se por um lado ele se amplia, em virtude dos avanços científicos, por outro, ele possui a cada dia menos donos, em decorrência da inércia e do comodismo da maioria dos homens de hoje. A verdade é que, enquanto o conhecimento se multiplica em progressão geométrica, a sua apropriação coletiva caminha a cavaleiro, em progressão aritmética. Aquela sede de saber tudo que tinha o homem do passado, hoje se esvaece diante das dimensões do conhecimento. Substitui-a o mais vil senso comum: eu não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. Triste realidade egocêntrica. A constatação de um que não tem condições de saber tudo, leva-o a não querer saber de nada. Típica atitude da raposa de La Fontaine. Não conseguindo alcançar os lindos cachos de uvas que pendiam do parreiral, exclama a raposa: “também, quem quer uvas verdes!”.

Destarte, a descoberta de um ou mais paradigmas, que possam tornar possível à apropriação do verdadeiro conhecimento que hoje se produz no mundo, é o grande desafio que afronta a genialidade do homem deste século. Se não é possível tudo, então devemos selecionar e nos apropriarmos apenas do melhor. A nossa missão será encontrar as agulhas perdidas no palheiro cósmico do conhecimento. Para tanto, devemos ser capazes de separar o joio do trigo, o conhecimento aparente do verdadeiro, o que presta do que não tem valor. Isso irá requerer de nós uma formação diferenciada e que seja adequada a essa realidade.
Preocupada com isso, a UNESCO deu a Jacques Delors a missão de chefiar uma equipe que pesquisasse as possibilidades para uma educação efetiva no século vinte e um. Do trabalho resultou o documento intitulado “Os quatro pilares da educação”, publicado como parte do livro “Educação: um tesouro a descobrir”, da Editora Cortez, São Paulo, 1999, pp. 89-102.

Os quatro pilares envolvem o aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Uma coisa leva à outra. Mas, aqui focalizo apenas o aprender a aprender, o qual é a base para as demais estruturas. Não conseguindo isso, não faremos, não conviveremos e não seremos ninguém além de mais um na multidão de quase sete bilhões de seres que hoje enche o planeta.

Nessa linha, é de destacar que, entre tanto conhecimento e ante a impossibilidade de se apreender tudo, faz-se necessário que cada um saiba encontrar na vastidão o que realmente interessa. Não há mais aquela necessidade de decorar o fragmento que lhe caía nas mãos. Naquele tempo de poucos livros, ficava-se muito feliz caso se encontrasse uma bula de remédio para ler. Não importava o que significavam aquelas estranhas palavras, tais como dilametilamenofenildimetilpirazolona. O importante é que se tinha algo para se ler e decorar. Recordo-me de ter que dar a lição para o mestre, de cor, vírgula por vírgula, ponto por ponto. Então, ficava orgulhoso por demais, quando conseguia passar para a lição seguinte. Hoje, os tempos são outros e me entristeço de ter perdido tanto tempo de minha vida decorando aquelas coisas que foi sem sentido e sem utilidade para minha vida e das quais tenho poucas recordações.

Hoje o conhecimento é produzido e reproduzido por mil formas e em grande quantidade. Com o avanço das comunicações, é possível acessá-lo, a qualquer hora e em qualquer lugar. O conhecer não é mais uma questão de internalização da informação. O conhecimento é volátil, muda a toda hora. Terá sua posse aquele que tiver a técnica para adquiri-lo com rapidez, antes que se torne defasado. Nesse sentido, à educação não compete mais a transmissão do conhecimento. Aliás, isso nunca competiu de verdade. Tinha-se a ilusão de que alguém ensinava e de que alguém aprendia. Mas tudo não passava de um mundo de faz-de-conta. E o pior é que, ainda hoje tem muita gente que pensa dessa forma. Todavia, já está provado que ninguém educa ninguém. O homem é sujeito de sua própria aprendizagem. Segundo Amaral Fontoura, “aprende-se o que interessa. O resto decora-se para passar nos exames e se esquece no dia seguinte”. Daí, a pergunta que não quer calar: Então, qual a finalidade de se decorar algo que hoje tem apenas um valor relativo e amanhã, não vale mais nada? Nenhuma! Essa é a resposta. O professor da decoreba comete um verdadeiro atentado contra os novos tempos, quando prende seus alunos em pequenos fragmentos do saber, ao invés de prepará-los para adquirir o domínio de tudo o que vierem a necessitar durante sua vida e que tem realmente valor para ele.

A orientação dos sábios da UNESCO é que o professor deve ensinar a aprender e não a decorar. Aquele que se formou na escola da decoreba precisa voltar urgentemente aos bancos escolares. Seus paradigmas de ensino/aprendizagem não correspondem mais aos tempos atuais. Já estão superados. Sabe-se hoje que a educação é processual e que, uma vez iniciada, só termina com a morte. É algo para a vida toda. Aquele que se prende ao trabalho da decoreba, ainda não entendeu que o mundo é dinâmico e que não se repete. Aliás, de acordo com a velha lição de mestre Heráclito de Éfeso, um homem não banha duas vezes no mesmo rio, porque as águas de hoje, já não são as mesma de ontem. Aquelas já estão no mar.

Conclui-se. Estamos no tempo de aprender a aprender. Aquele que souber isso estará verdadeiramente preparado para viver. Do contrário, vai morrer de decorar e não vai sair do lugar.

Izaias Resplandes de Sousa é professor de Matemática, Pedagogo, acadêmico de Direito (9º. Semestre) da UNIC - Primavera do Leste (MT) e membro da Igreja Neotestamentária de Poxoréu, MT. Blog: http://www.respland.blogspot.com. Fundador e membro da UPE – União Poxorense de Escritores, Poxoréu, MT.

Fonte: http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/1088705

2 comentários:

Suzana Gutierrez disse...

Oi Robson

Isso: "ele possui a cada dia menos donos, em decorrência da inércia e do comodismo da maioria dos homens de hoje." é de um simplismo de doer. O conhecimento tem poucos donos, ou melhor, beneficia a poucos, porque a ciência é mais uma força produtiva a serviço da apropriação privada daquilo que é socialmente produzido, entre outras coisas.
Penso que o autor não focou bem na crítica que pretendia fazer. Eu não concordo que as pessoas estão desistindo de conhecer por não dar conta da "quantidade de conhecimento". Alias, não é o conhecimento que cresce, é a informação.
E mais, ... penso que ele retorna a um paradigma que critica qdo diz: "apropriação do verdadeiro conhecimento que hoje se produz no mundo".
A decoreba, mais que uma escolha do professor vinda de sua própria formação, é uma política pública :) O que é o vestibular além de ser o supra-sumo do incensamento da decoreba? Como a escola, o professor, o aluno vai fugir da decoreba se é ela que dá acesso a aprender medicina, por ex?
E mais uma questão: é bom relativizar esta rejeição à decoreba. Algumas coisas tem de ser decoradas por um espaço de tempo pelo menos. Não dá para consultar bancos de dados em muitas situações :)
Outra coisa à relativizar são os "sábios da UNESCO" sabidamente a serviço de políticas filiadas ao Banco Mundial, que propõem 'educações', humm..., diferentes para segmentos diferentes da população mundial, todas elas a serviço do capital (e suas personificações) e não da pessoa.
e por aí vai :)

Robson Freire disse...

Olá Suzana

Era exatamente essa a intenção da postagem deste texto: gerar o debate em torno do informação=conhecimento excessivo atual.

Também concordo com você quanto a coisas que devem sim ser aprendidas pela repetição. Como professor de exatas acho um grande ganho saber tabuada "na ponta da língua".

E outra coisa que eu sempre digo aos meus alunos: não importa o numero de títulos do professor ou a relevância do livro há sempre um outro ponto de vista que pode e deve ser questionado.

Pois do questionamento nasce o conhecimento.

Obrigado por sua visita e pelo maravilhoso comentário.

Abraços

Robson Freire