Antes de qualquer coisa é bom lembrar que esse artigo está sendo publicado em um blog que trata do uso pedagógico das TICs e que uma das TICs mais antigas e mais bem conhecidas dos professores é justamente o “giz”. A combinação giz + lousa ainda é o instrumento tecnológico de maior uso no país e continuará a sê-lo por um loooooongo tempo.
Também é evidente que esse artigo tem um “quê” de sarcástico, afinal parece bobagem falar do uso pedagógico desse nosso velho conhecido bastão de gesso, calcário e água. Porém, dada a repercussão de um outro artigo meu, intitulado “E agora, Mestre Giz?” (ou aqui no Caldeirão de Ideias) , e para deixar claro que o uso do giz e da lousa não é algo de todo ultrapassado e que, além disso, exige muito mais “conhecimento pedagógico” do que se pensa, resolvi então levar adiante a tarefa de discutir o uso pedagógico do giz (e, consequentemente, da lousa).
O giz que normalmente utilizamos é obtido de uma mistura de calcário (CaCO3, ou carbonato de cálcio), gesso (CaSO3, ou sulfato de cálcio) e água (H2O). O giz colorido conta também com algum pigmento de cor e o modelo antialérgico conta com camadas plastificadas. Há modelos mais modernos de giz feito com outros componentes, como o talco de silicato hidratado de magnésio, tipos de gesso ortopédicos e outras formulações. O essencial, no entanto, é que todo giz atenda à sua principal função: escrever em uma lousa. Mas escrever o quê? Esta é a grande questão!
Alguns professores imaginam que o giz seja um instrumento de “cópia de textos” e o utilizam intensivamente preenchendo lousas e mais lousas com textos que podem ser encontrados em livros, revistas ou jornais. Mas esse não é um uso pedagógico para o giz e para a lousa, pois o aluno não aprende nada quando copia textos da lousa usando lápis e caderno, tanto quanto também não aprende quando copia da Internet usando Ctrl+C & Ctrl+V. Para acessar textos de consulta o aluno deve possuir material didático, quer seja na forma de livro, apostila, revista, jornal, acesso à Internet ou outras mídias, digitais ou não, à biblioteca da escola ou qualquer outro meio de armazenamento de informações. A lousa e o caderno no aluno não são espaços de armazenamento de informações. Mas o que são então?
Todo professor sabe, ou deveria saber, o conteúdo da disciplina que leciona. Mas o professor não é apenas uma “coletânea de informações” sobre sua especialidade, ele é muito mais que isso, ele é um “organizador e um gerenciador de informações”. Ele não detém apenas a informação, ele detém também as relações entre as informações, os conceitos, competências e habilidades que deseja ver desenvolvidos nos seus alunos. É para isso que serve, essencialmente, o giz, a lousa e o caderno do aluno: para que o professor possa organizar informações de forma didática e com uma seqüencialidade, uma estética e uma logística relacional que permitam ao aluno compreender as relações entre as muitas informações que ele pode acessar por uma infinidade de outros meios.
Embora a frase acima pareça um pouco “sofisticada”, o que ela quer dizer é que o giz serve para fazer esquemas didáticos, anotações, organogramas, tabelas, mapas conceituais, infográficos, fluxogramas, ilustrações, etc., que tornem mais claras as relações entre as muitas informações que os materiais didáticos e o professor trazem para os alunos. A lousa é o espaço natural de “esquematização e representação” do professor e o giz é o meio de “impressão simbólica” de conceitos e relações, nada além disso.
Se o professor dispõe de um notebook e um datashow, ou uma lousa digital, e preparou uma aula usando uma ferramenta como o CmapTools para criar um mapa conceitual explicando as relações entre folhas, caule e raízes de uma planta, resumiu informações em uma apresntação de slides, fez uma busca no YouTube e encontrou lá um pequeno vídeo ou animação mostrando os caminhos de circulação entre os nutrientes da planta, então ele poderá simplesmente projetar seu mapa conceitual, explicá-lo, ajudar os alunos a compreender essas relações e depois ilustrar isso dinamicamente projetando seus slides e o vídeo. Talvez até lhe sobre tempo para levar uma pequena planta para a sala de aula e então mostrar, ao vivo e a cores, essas diferentes estruturas em um microscópio ou com uma lupa.
Mas se ele não tem nada disso à sua disposição, então terá que ser capaz de desenhar na lousa um esboço de planta, indicar essas relações, usar setas e gizes de diferentes cores para diferenciar seiva bruta de seiva elaborada, “desenhar os seus slides”, etc. Ele também precisará de um mapa conceitual e de ilustrações, só que terá que desenhá-los ele mesmo na lousa. Depois poderá usar sua teatralidade e a imaginação dos alunos para lhes fazer entender como isso se processa dentro de uma planta de verdade. É óbvio que isso é possível e foi assim mesmo que muitos de nós aprendemos sobre esse assunto quando estávamos na escola.
A única diferença é que substituindo o giz e a lousa por um notebook e um datashow, ou uma lousa digital, as coisas ficam mais fáceis, mais rápidas, mais belas, mais claras, mais simples de serem construídas e entendidas e permitem ao professor um tempo maior para ele fazer aquilo que lhe caracteriza como profissional da educação: ajudar o aluno a compreender melhor e despertar-lhe ainda mais o interesse pela aprendizagem, e não meramente atuar como um “copiador de textos na lousa”; o professor é alguém cujo conhecimento vai além do texto didático e dos materiais de apoio, é alguém que pode levar o aluno um passo adiante de onde o aluno pode chegar sozinho.
Então, se você é um professor que ainda está preso unicamente ao uso do giz e da lousa, isso não quer dizer que não poderá ajudar seus alunos a aprenderem, mas apenas que terá um pouco mais (talvez “muito” mais) trabalho para organizar e apresentar informações, conceitos e relações. Terá menos tempo, precisará ser mais teatral, deverá ter algum talento artístico para desenhar bem e terá que dedicar um tempo muito maior na preparação das suas aulas. Mas esse é um preço que nossos professores já pagaram um dia, quando não dispunham de tecnologias digitais, e podemos continuar pagando até dispormos delas ou nos propusermos a usá-las.
Supondo então que você, ao invés de ser um “Professor Digital”, seja um professor “giz&tal”, aqui vão dez dicas que podem lhe ajudar bastante a sobreviver até o dia em que a tecnologia lhe prover outros recursos (a propósito, eu coletei essas dicas ao longo de alguns milhares de quilômetros escritos com giz em lousas comuns):
- Use diversas cores de giz e não apenas o giz branco: o giz é uma ferramenta pobre e se você usar apenas giz branco sua lousa será horrivelmente monótona. Procure usar uma padronagem coerente de cores: por exemplo, use sempre as mesmas cores para cada categoria como títulos, subtítulos, destaques, anotações importantes, etc.; procure usar as cores mais berrantes (como aquele “laranja OIÊÊÊÊÊÊÊ!!!!”) para fazer destaques enfáticos e pontuais, não para uso corriqueiro.
- Divida corretamente o espaço da lousa: deixe um espaço de meio metro à esquerda da lousa para anotações sobre a pauta da aula, data, capítulo, etc. e mantenha esse pedaço da lousa sem apagá-lo durante toda a aula. Deixe outro meio metro do lado direito da ousa para anotações provisórias (como contas ou outras anotações que poderão ser feitas e apagadas durante a aula). Use sempre uma mesma cor para fazer linhas divisórias (o azul é muito bom, porque raramente presta para alguma outra coisa).
- No espaço restante da lousa, procure fazer divisões em retângulos tanto mais próximos quanto possível do “retângulo de ouro”: Quê??? Calma, se sua lousa tem 1 m de altura, faça divisões com comprimentos de 1,6 m cada uma, aproximadamente (ou seja, você deve dividir a lousa em retângulos cujo comprimento seja 1,6 vezes maiores do que a altura. Se quiser saber mais sobre “porque devo fazer isso”, dê uma pesquisada em “proporção áurea”, “retângulo de ouro” e aprenda um pouco mais sobre os princípios básicos das proporções na arquitetura, na arte e na psicologia.
- Use letras grandes e traços grossos. Até o aluno de visão mais aguçada ficará grato se não tiver que adivinhar o que foi que você quis escrever com aquela nanoletra ilegível que você mesmo mal enxerga estando a dez centímetros dela; O Joãozinho, que se senta lá no fundão da sala, e que está lá porque justamente não quer aparecer muito, dificilmente copiará sua anotação e se o fizer o fará errado.
- Se sua letra for feia, treine muito até que ela fique bonita. Professor não é médico e lousa não é receituário. Ou você escreve de uma forma legível e com letra bonita e caprichada ou passa a usar artefatos tecnológicos que o dispensem disso (como notebooks e datashows, por exemplo). Evidentemente que além de escrever bonito você também deve escrever corretamente e JAMAIS USAR ABREVIAÇÕES. Lousa não é MSN e nem ORKUT e você… bem, você é um professor, não é?
- Dê palestras, não “aulinhas”: Use uma vareta ou uma régua de 1 m como apontador para indicar aquilo sobre o que estiver falando durante suas explicações (apontadores laser não funcionam muito bem em lousas escritas com giz) e JAMAIS, NUNCA, EM HIPÓTESE ALGUMA, explique, comente, discorra, faça observações ou qualquer outra coisa ESTANDO DE COSTAS PARA A SALA. Falar de costas para a classe representa uma atitude feia e muito mal educada e, além disso, também é pedagogicamente um fracasso. E, se estando falando de costas para a classe, você receber uma bolinha de papel na cabeça enquanto fala, agradeça, pois só estão lhe retribuindo a gentileza e a boa educação.
- Prepare sua aula e o uso da sua lousa. Se você tiver que encher duas ou mais lousas com textos durante sua aula, isso quer dizer que você a preparou muito mal, que tem pouco o que dizer sobre o assunto e que, basicamente, você poderia ser substituído por um texto impresso sem prejuízo para a aprendizagem do aluno. Portanto certifique-se de que colocará na lousa apenas o essencial para organizar as idéias, conceitos e informações que serão apresentadas e trabalhadas em aula. Use a lousa como ferramenta de apoio e não como desculpa para enrolar a classe.
- Não seja conivente com a irresponsabilidade. Se sua escola não fornecer giz colorido, apagadores ou lousas onde se possa escrever, escreva um e-mail solicitando em caráter emergencial o que lhe falta e envie para a Secretaria de Educação do seu município ou do seu estado, a cargo da área pedagógica, com cópia para o Dirigente de Ensino da sua Diretoria de Ensino, cópia para o Supervisor da sua escola e cópia para o Diretor e para o Coordenador da sua escola. Provavelmente você passará a ser conhecido como uma “persona nom grata”, mas nunca mais lhe faltará giz colorido, apagador ou lousa. E quando encontrar algum daqueles apagadores horríveis que não apagam mais nada, mas que teimam em deixar na sala de aula, jogue-o no lixo sem pensar duas vezes. Você verá que logo aparecerá outro apagador novo no lugar.
- Recolha todas as pontas pequenas de giz que sobrarem depois da aula e leve-as com você. Se a escola não tiver quem as recolha e recicle, jogue-as no lixo da sala dos professores. Isso evita que encontremos pontas de giz espalhadas pelos corredores e aconteçam pequenas guerrilhas coloridas na sala de aula. E, se você for daqueles professores que gostam de ter o próprio apagador, arrume também um “limpador de apagador” e lembre-se de que a parede da sala de aula ou do corredor não é o local mais apropriado para você “bater o apagador”.
- Use sempre um creme para as mãos à base de silicone ANTES de usar o giz. O giz resseca a pele da mão, causa ruptura nas cutículas, é horrível para limpar, fica grudado debaixo das unhas (principalmente para quem tem unhas grandes) e se aspirado ao longo de muito tempo seu pó pode causar câncer, enfisema e outras doenças decorrentes da acumulação de seus minerais no pulmão. Evite encostar-se à lousa, pois o giz mancha roupas e é difícil de ser retirado delas. Também evite usar relógios ou manipular aparelhos eletrônicos quando estiver lidando com giz.
Por fim, desejo-lhe sinceramente que essas dicas lhe seja de alguma utilidade e que você passe a usar um notebook e um datashow, ou uma lousa digital, assim que puder.
Fonte: http://professordigital.wordpress.com/2009/09/28/uso-pedagogico-do-giz-do-giz/
3 comentários:
Rapaz, eu estou à séculos procurando estas dicas e, agora, você nos presenteia com um texto muito útil.
Como você mesmo disse no início: bem ou mal, o giz ainda é a TIC de muitos professores.
Eu confesso que preciso melhorar o uso do quadro e giz. Aliás, comunicação é uma competência fundamental para o professor.
Adorei, cara! Vou replicar no blog.
Um grande abraço,
Prof_Michel
Robson,
Obrigado por aderir à blogagem coletiva "Professores do Brasil".
Seu nome e blog já estão na lista de inscritos. Peço apenas que insira o selo do evento em seu blog, assim, outras pessoas terão conhecimento da blogagem e serão mais mentes participando, né?
Mais uma vez, obrigado.
Abraços.
Xará Robson Freire, o giz, justamente por esses motivos de prejuízos à saúde, não está sendo substituído pelo pincel-piloto?
Ao meu ver, esses conselhos sobre o uso do giz (falando a strictu-sensu) fazem sentido apenas onde ainda não há disponibilidade de quadros brancos e pincéis-piloto.
Abs
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