20 de out. de 2009

Conectados, multitarefa, radicais, isolados e burros

Visão mais pessimista das crianças de hoje aponta que a navegação aleátória tira delas o tempo necessário para o desenvolvimento intelectual

por Rafael Cabral, Bruno Galo e Ana Freitas

Conectadas de berço, as crianças pensam e agem cada vez mais rapidamente, além de conseguirem realizar várias atividades ao mesmo tempo. Mas quem disse que tudo isso é bom?

"É verdade que elas são multitarefas, mas isso só faz que elas adquiram o que os cientistas chamam de estado de atenção parcial contínua", defende o professor Mark Bauerlein, autor do livro The Dumbest Generation (leia abaixo). Elas pulam de um texto para o outro em poucos segundos, mas quanto deles elas conseguem entender no final?

Por mais que já seja reconhecida a importância do pensamento fragmentado que impera na web, para Bauerlein é ainda "a lógica linear que comanda todas as áreas de pensamento, da Ciência ao Direito" - e nisso as novas tecnologias não teriam muito a contribuir.

Ao permitir uma excessiva personalização do que se consome, o ciberespaço acabaria privando as crianças de alguns conhecimentos básicos e necessários. "O comportamento que veio com a web simplesmente destrói hábitos necessários para o desenvolvimento intelectual, como a atenção e o discernimento", dispara Bauerlein, pessimista.

Além disso, como defendeu recentemente o intelectual Umberto Eco, a abundância de informações (vindas principalmente da web) sobre acontecimentos do presente, sejam eles relevantes ou não, acabam soterrando as pessoas e impedindo-as de compreender seu contexto histórico. Imagine então as crianças navegando sozinhas em meio a esse caótico ciberespaço.

Ao mesmo tempo em que aproxima, o virtual também isola. Entre os pontos negativos do digital está a possibilidade de evitarmos o contato com assuntos importantes (mas que, por um motivo ou outro, escolhemos não acessar).

Uma pesquisa do ano passado feita pela SaferNet mostrou que, por navegarem sem acompanhamento de adultos, 53% das crianças já tiveram contato com conteúdos agressivos ou considerados impróprios para sua idade. O estudo revela também que 64% dos jovens usam a web no próprio quarto e que 87% não têm restrições no uso da internet. Elas podem ler, ouvir e assistir apenas aquilo que lhes interessa - e isso, em vez de abrir suas cabeças, pode torná-las mais radicais em suas crenças e preconceitos, além de aliená-las do oposto. Com a televisão, bem ou mal, éramos obrigados a ver um pouco de tudo.

AJUDA OU ATRAPALHA?

Para o educador Paulo Blinkstein o problema é esperar de tecnologias como os videogames uma solução pronta e ignorar as nuances entre o que ajuda e o que prejudica no desenvolvimento das crianças. "Os games são mídias poderosas para a educação, mas existe uma grande falácia na ideia de que podemos aprender brincando, sem esforço e sentados no sofá. O uso educativo do videogame é limitado pelas suas próprias características. Não há milagre."

Se os jogos podem ajudar no desenvolvimento da noção de espaço e nos reflexos, por sua vez eles podem também prejudicar, a evolução psicomotora dos jovens. "Se a criança ficar bitolada e não se movimentar, explorando seu ambiente físico, isso repercutirá na sua vida futura", explica o neurologista Jairo Werner, professor da Universidade Federal Fluminense - UFF.

REDES SOCIAIS

Para Mark Bauerlein, apesar de os sites de relacionamentos prometerem aos internautas conhecer novos amigos e interagir com pessoas novas, as crianças acabam se fechando ainda mais nos seus grupos quando entram nessas redes. "Apesar de toda a utopia em cima da interação que esses sites propiciam, o papo das crianças acaba sendo uma extensão do grupinho que se encontra na lanchonete do colégio".

De acordo com pesquisa realizada pela Turner International Brasil, 77% das crianças se cadastraram pela primeira vez em uma rede social, como o Orkut ou Facebook, quando tinham entre 5 e 8 anos de idade. 73% delas admitem que seus contatos são formados por amigos do dia-a-dia.

MARK BAUERLEIN, professor


A geração digital é a mais burra de todos os tempos. Essa é a tese central do livro The Dumbest Generation, de Mark Bauerlein, professor da Universidade de Emory, em Atlanta, sul dos EUA. Bauerlein acredita, por exemplo, que as redes sociais prometem muito e cumprem pouco: as conversas acabam reproduzindo a fofoca do colégio e pouco acrescentam no desenvolvimento intelectual das crianças. Além disso, ele defende a importância cada vez maior do pensamento linear em contraposição à fragmentação da internet.

Não é normal que os mais velhos reclamem dos hábitos dos mais novos? A crítica da era digital não é a mesma que foi feita quando surgiu a TV?

Sim. Nós sempre ouviremos os mais velhos reclamando dos mais novos - mas eu não acho que isso invalida a crítica deles. É verdade, aliás, que assistir televisão demais prejudica o desenvolvimento das crianças e, por isso, os pediatras forçaram regras para a programação. É a doutrinação dos mais velhos que forma uma sociedade saudável. Um jovem precisa saber, por exemplo, o que aconteceu em Cuba em 1959 para lembrar que a história não começou quando ele fez seu aniversário de 13 anos.

Por que então você considera essa geração a mais burra de todos os tempos?

Em termos de inteligência pura, eles são tão espertos quanto sempre foram. Mas quando você vê o conhecimento deles de história, literatura, filosofia, eles são completamente ignorantes. Isso porque a maioria do tempo livre dessas crianças é gasto com ferramentas digitais que simplesmente repercutem umas as outras. Eles não leem jornais, eles mexem no Facebook. Eles não leem livros, eles mandam SMS. Isso tira deles o tempo que era destinado para a formação intelectual.

Você vê alguma solução para esse "desvio", agora que o digital se torna onipresente?


Crianças sempre serão crianças, mas antes os pais tinham armas poderosas para limitar o tempo delas. Agora elas podem brigar, fofocar, praticar bullying, amar e odiar na internet. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Imagine um quarto de criança: antes ele era um espaço de isolamento, agora é um hub. Até que deixemos esse espaço menos ‘social’, as coisas estarão erradas.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/tecnologia+link,conectados-multitarefa-radicais-isolados-e-burros,3049,0.shtm

2 comentários:

pedagogica mente blogando disse...

Mais uma vez, não podemos radicalizar. Se a net é uma ferramenta importante no desenvolvimento da educação, não podemos impedir os baixinhos de manuse-á-la.Cabe aos pais a educação das crianças,portanto, nada de se jogar no sofá como uma "couch potato"enquanto os pirralhos fazem acontecer na rede.Dá trabalho, mas não tem outro jeito.Programar horários,incentivar os esportes,ler para as crianças são atividades que podem perfeitamente ser mais atraentes do que mandar SMS,fofocar, praticar bullying.Educação não é uma coisa aleatória.....os pais têm obrigação de preparar a educação dos seus filhos.Internet deve ser uma opção quando não se tem mais nada interessante pra fazer.Não deve ser canonizada,tampouco queimada na fogueira da inquisição. Bom senso ajuda.

Anônimo disse...

Não sei se esta é a geração mais burra de todos os tempos, mas não podemos negar o "emburrecimento latente", em boa parte por causa do uso não-mediado das ferramentas da internet.

Mark Bauerlein está certo ao apontar um problema na personalização excessiva que a internet propicia. Acho que o jovem tende a buscar conteúdos que sejam engraçados, ou divertidos, ignorando aqueles que possam trazer algum tipo de contribuição intelectual.

Talvez, na próxima geração, tenhamos uma solução para o problema, isso se a escola, desde já, não correr o risco de obsolescência por não adaptar os currículos ao novo e vindouro universo digital.

Um abraço,
Prof_Michel