Oralidade não se aprende por intuição: gêneros mais formais, como o seminário, devem ser trabalhados com as crianças desde as séries iniciais
Rodrigo Ratier
Por alguns instantes, volte ao passado: algum professor ajudou você a saber como falar? Salto para o presente: na sua prática em sala, você se preocupa em abordar conteúdos da oralidade? É possível que a resposta às duas perguntas seja a mesma: um sonoro "não".
ROTEIRO PRECISO
Uma cola com tópicos pode ajudar a encaminhar a apresentação. Não vale ler os cartazes nem decorar o trabalho
DISCURSO SEGURO
As falas devem ser claras, coerentes e concisas: é preciso passar todo o conhecimento no tempo combinado
APOIO CERTEIRO
Recursos visuais devem trazer informações simples e diretas para facilitar a compreensão do tema geral da apresentação
A razão é compreensível. Existe a idéia corrente de que não é papel da escola ensinar o aluno a falar - afinal, isso é algo que a criança aprende muito antes, principalmente com a família. Meia verdade. Há nessa concepção um erro grave de reduzir a oralidade à fala cotidiana, informal, representada pelos bate-papos e pelas conversas do dia-a-dia. O fato é que, sob a denominação genérica de "linguagem oral", encontram-se diversos gêneros: entrevistas, debates, exposições, diálogos com autoridades e dramatizações. Em relação a todos eles, o professor tem um papel importante.
"Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais", afirmou o psicólogo suíço Bernard Schneuwly em entrevista à NOVA ESCOLA em 2002. Considerado um dos maiores estudiosos sobre o Desenvolvimento da oralidade, ele defende que os gêneros da fala têm aplicação direta em vários campos da vida social - o do trabalho, o das relações interpessoais e o da política, por exemplo.
Esforço contínuo
Uma primeira medida para resgatar a importância do tema é investir na abordagem sistemática. A estratégia que deve permear todas as fases da escolarização é iniciar o trabalho pelas situações comunicativas praticadas naturalmente em sala de aula. Partindo dessa perspectiva, o Centro Educacional São Camilo, em Cachoeiro de Itapemirim, a 130 quilômetros de Vitória, decidiu trabalhar o seminário como uma atividade permanente desde o início do Ensino Fundamental (veja a foto à esquerda). E não apenas nas aulas de Língua Portuguesa: pesquisas e trabalhos de campo de História, Geografia e Ciências, antes restritos à entrega em papel, são apresentados para toda a turma na forma de exposição oral. "Com a experiência constante, os estudantes avançam em todas as etapas do trabalho: passam a fazer pesquisas mais profundas, descobrem o que pode ser utilizado na apresentação e mostram mais desenvoltura na hora de expor o assunto", diz a coordenadora pedagógica Edna Valory (leia no quadro acima os conteúdos desse tipo de atividade).
No seminário, como em qualquer outro gênero, o fundamental é conseguir que ele faça sentido aos alunos. Para isso, o professor deve debater com a turma o propósito da atividade: por que estamos fazendo essa pesquisa? Quais os critérios para selecionar o que aprendemos e merece ser apresentado? De que forma ele pode interessar ao público? "O seminário tem de ter uma finalidade maior do que ser apenas uma apresentação. Caso contrário, o trabalho corre o risco de se tornar desmotivante", explica Roxane Rojo, professora do Departamento de Lingüística Aplicada da Universidade de Campinas. Depois, é partir para o detalhamento dos procedimentos que sustentam a apresentação oral (leia se qüência didática com etapas da atividade ao lado).
A melhor forma de conseguir bons resultados é acompanhar o aluno em todos os processos. No Colégio Sete de Setembro, em Fortaleza, a orientação dos seminários vai desde a discussão sobre o tema até a avaliação da apresentação. "No momento em que o aluno vai pesquisar, por exemplo, não adianta ele reunir um monte de indicações bibliográficas ou simplesmente copiar trechos de sites da internet. É tarefa do professor auxiliar na seleção de informações e na articulação das diversas fontes", explica a coordenadora pedagógica Rachel Ângela Rodrigues.
Ainda que a exposição oral seja mais comum nas séries finais do Ensino Fundamental, ela pode ter lugar desde os primeiros anos. A recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais é que as expectativas de aprendizagem acompanhem a evolução dos alunos. A partir do 3º ano, é possível exigir mais formalidade no uso da linguagem, preparação prévia e manutenção de um ponto de vista na apresentação. A avaliação deve contemplar esses aspectos - desde, claro, que o professor os tenha ensinado.
O que ensinar nos seminários
Quem disse que uma apresentação se aprende espontaneamente? Um seminário possui uma série de procedimentos formais que devem ser abordados em sala. Primeiro, é preciso estudar a fundo o assunto a ser apresentado por meio de pesquisas e leituras. Em seguida, é necessário triar as informações e preparar a exposição, estruturando-a para que ela seja assimilada pelos colegas. Só então chega o momento de partir para a apresentacão propriamente dita. Nessas etapas, há quatro aspectos que não podem ser esquecidos:
- Planejamento do texto: além de cuidar do conteúdo (uma preocupação comum a todas a situações comunicativas), um seminário exige a preocupação com a forma como as informações são passadas, que não pode ser a mesma usada com os colegas no dia-a-dia. Por isso, é necessário trabalhar as diferenças entre a língua formal e a informal.
- Estrutura da exposição: o conteúdo precisa ser apresentado de forma clara e coerente - o objetivo é facilitar a compreensão de seu sentido geral. Para que isso ocorra, o texto oral deve ter uma seqüência organizada: fase de abertura, introdução ao tema, desenvolvimento, conclusão e encerramento.
- Características da fala: o tom e a intensidade da voz do expositor devem criar um clima propício para a interação com a platéia.
- Postura corporal: olhares, gestos, expressões faciais e movimentos corporais são importantes para complementar as informações transmitidas pela fala. Esses recursos auxiliam a mobilizar a escuta atenta.
Quer saber mais?
CONTATOS
Centro Educacional São Camilo, R. São Camilo de Léllis, 1, 29304-910, Cachoeiro de Itapemirim, ES, tel. (28) 3526-5918
Cláudia Goulart
Colégio Sete de Setembro, R. D. Carloto Távora, 377, 60421-070, Fortaleza, CE, tel. (85) 3232-5194
Roxane Rojo
BIBLIOGRAFIA
Gêneros Orais e Escritos na Escola, Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz e outros, 278 págs., Ed. Mercado de Letras, tel. (19) 3252-6011, 58 reais
INTERNET
Neste site você faz o download de As Práticas Orais na Escola, de Cláudia Goulart
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/fala-se-ensina-423559.shtml
2 comentários:
Ótimo texto!!!Sempre frisamos que o seminário é um momento de aprendizagem em sala de aula,porém os alunos não conseguem compreender,e só visam a "Nota".
Excelente post! A minha sala de aula destaca frequentemente aspectos da boa comunicação e do uso de diferentes linguagens para dimensionarmos autoconhecimento, valorização pessoal e superação contínua de obstáculos em face das inúmeras situações inusitadas em nosso cotidiano.
Parabéns!
Vou socializar entre alunos e professores este texto.
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