Rir da desgraça alheia é reprovável. Rir dos dramas que afetam sua própria vida é, por outro lado, atitude recomendada. Dizem os especialistas que chorar não só não resolve os problemas, mas ainda resulta em diversos outros contratempos para a estrutura psicológica do indivíduo, além de deixar pronunciadas marcas e mais marcas no rosto de quem verte lágrimas. Nós, brasileiros, parecemos entender bem do assunto, por isso mesmo preferimos as risadas e não as lágrimas quando temos que pensar a respeito dos nossos próprios dramas sociais, políticos e econômicos.
Isso não quer dizer que estejamos acomodados em relação às dificuldades que nos cercam. Pelo contrário, os desempregados correm atrás de novos empregos, os doentes enfrentam as deficiências crônicas do sistema de saúde público, os pais acordam cedo para enfrentar as filas e matricular seus filhos em escolas melhores ou mais próximas de suas casas, os operários se viram com os salários achatados que são apenas atualizados e nunca realmente aumentados,...
O que nos causa indignação tem sido alvo de protestos e mobilizações que tem marcado a história de nosso país. Que o digam os Cara-Pintadas que foram as ruas protestar contra o governo de Fernando Collor ou as multidões que lotaram as ruas e os palanques em cidades de todo o país manifestando-se em favor das eleições diretas para presidente nos primeiros anos da década de 1980.
Apesar disso, não podemos deixar de reconhecer que os brasileiros sabem levar com muito bom humor uma série de dificuldades e problemas que assolam seu cotidiano. Fazer piada da corrupção, do trânsito caótico, das medidas econômicas do governo, do excesso de viagens do presidente ou ainda das desastradas manobras políticas do Congresso Nacional já são parte corriqueira do dia a dia dos nossos patrícios.
O estreante diretor Cláudio Torres (filho de Fernanda Montenegro e Fernando Torres) veio a público trazer justamente essa verve cômica dos brasileiros em relação aos dramas vividos diariamente por boa parte de nossa população. Para isso escolheu uma temática das mais amargas para os nossos bolsos, ou seja, a corrupção. Problema que é cada vez mais endêmico em nossos municípios, estados e até esferas do setor público federal e que corrói o orçamento estatal de forma voraz a ponto de impedir a melhoria da qualidade dos serviços públicos e aumentar a voracidade dos governos em relação ao pagamento de impostos.
Dados divulgados por algumas ONGs especializadas na análise dos efeitos da corrupção colocam o Brasil numa péssima colocação mundial neste quesito. Afirmam esses estudos que se a corrupção em nosso país fosse reduzida a índices semelhantes a países desenvolvidos como o Canadá ou a Austrália, a população brasileira teria o equivalente a 2 salários mínimos a mais por ano em seus bolsos. Em se tratando o Brasil de um país que tem uma grande quantidade de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, esse dinheiro seria muito bem vindo...
Outra conseqüência muito positiva seria a diminuição dos impostos. De acordo com dados divulgados pela Rádio Jovem Pan em sua campanha pela diminuição da carga tributária nacional, arrecada-se no Brasil o equivalente a 26 mil reais por segundo entre impostos diretos e indiretos... Esse índice é avassalador para o poder de compra e, consequentemente, significa que o setor produtivo e os consumidores poderiam estar vivendo muito melhor...
“Redentor” resgata esse tema que nos é tão caro (literalmente) e ainda aborda a nossa transcendente religiosidade, a marginalização das periferias, o movimento dos sem-teto, as migrações regionais e ainda, de quebra, o sistema carcerário. Tudo isso sempre provocando risos da platéia, mesmo que, muitas vezes, esses risos sejam amarelos...
O Filme
Célio Rocha (Pedro Cardoso) é um jornalista devotado e dedicado a sua profissão que em sua infância foi amigo de Otávio Sabóia (Miguel Falabella), um empreiteiro enriquecido à custa de tramóias no setor imobiliário. Foram justamente essas negociatas que fizeram a amizade entre os dois se romper de forma definitiva quando o pai de Otávio vendeu e não entregou um apartamento ao pai de Célio. Enterravam-se ali as esperanças de ter uma casa própria por parte da família Rocha e também qualquer possibilidade de relacionamento futuro entre os descendentes das duas famílias.
Aparentemente suas relações estavam cortadas para sempre, mas a história de vida dos dois personagens se cruza anos depois quando Célio é mandado por seu chefe para uma entrevista com Otávio. Apesar de relutar e refutar a possibilidade desse novo contato, Célio é obrigado a ir ao encontro do desafeto confesso.
Arruinado por seus empreendimentos, desvios, negociatas e ciente da possibilidade de ir preso, Otávio precisava de um “laranja” para retirar de suas contas em paraísos fiscais o dinheiro que havia desviado de centenas de pessoas que pagavam prestações por imóveis prometidos por suas empresas.
O suicídio do pai de Otávio o torna o responsável por todas as dívidas em relação aos compradores dos imóveis e também quanto aos encargos trabalhistas. O resgate do dinheiro que está no exterior representava a chance de fugir e de ter uma vida tranqüila no exterior, longe das autoridades brasileiras que o cercavam. Para convencer Célio a fazer o serviço sujo para ele, Otávio se compromete a lhe dar 5 milhões de dólares, pagando com juros a dívida do apartamento que não foi entregue a sua família.
Os caminhos de Célio são, no entanto, espinhosos e os negócios não dão tão certo. A consciência de que os milhões de dólares de Otávio pertencem a trabalhadores que deram seu suor e muitas horas de trabalho para construir os prédios e que também cabem aos compradores dos imóveis, atormentam o jornalista. A prisão e o encontro com Deus tornam sua situação insustentável. O que fazer?
Qualquer semelhança com casos como o da empreiteira Encol ou com as dívidas do ex-deputado Sérgio Naya não são apenas coincidência. “Redentor” conta com elenco principal de atores de grande sucesso com comédias como Pedro Cardoso e Miguel Falabella, além disso tem um elenco de apoio dos mais tarimbados e luxuosos, com nomes importantes como Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Stênio Garcia, Camila Pitanga, José Wilker e Fernando Torres.
Aos Professores
1- Que tal trabalhar com estatísticas sobre corrupção? Uma boa alternativa é pedir aos estudantes que rastreiem a Internet atrás de notícias divulgadas em jornais e sites de ONGs que apresentem dados sobre a corrupção no Brasil e no mundo (como a Transparência, Consciência e Cidadania ou ainda a Transparência Brasil). De posse desses dados seria interessante avaliar o que representaria para o país a utilização desses recursos em setores carentes como educação, saúde, habitação popular, transporte público, saneamento básico ou mesmo na área da cultura em termos de vagas oferecidas nas salas de aula, escolas e hospitais que poderiam ser construídos, casas populares que poderiam ser colocadas à disposição da população carente, novas linhas de ônibus ou metrô, construção de galerias de esgoto ou redes de água,...
2- Um outro bom exercício quanto ao tema seria a criação de uma linha do tempo dos últimos 15 anos em que fossem listados os principais casos de corrupção no país. Além de apresentar os dados mais importantes sobre cada um desses desvios, os alunos teriam que tentar descobrir através dos artigos divulgados pela grande imprensa o que aconteceu com os corruptores e com o dinheiro que foi desviado dos cofres públicos...
3- Comparar a situação vivida pelos países que estão nas duas pontas do ranking internacional de países quanto a corrupção é dado interessante que pode envolver alunos sob a batuta de professores de geografia, português e matemática para a composição de textos explicativos que sejam enriquecidos por tabelas e estatísticas. É muito interessante perceber o que cada centavo desviado pode representar em termos de melhoria geral da qualidade de vida do cidadão...
4- Que tal mobilizar os estudantes para tentar acompanhar de forma perene os trabalhos realizados pela câmara municipal ao longo de um período determinado de tempo (de dois a quatro meses) afim de avaliar a aplicação das verbas da cidade e os custos dos projetos encaminhados e comparar esses dados com os de outros municípios? Criar consciência política e estimular a participação ativa dos jovens na comunidade também é um importante dever da escola e dos professores.
João Luís Almeida Machado
Doutorando pela PUC-SP no programa Educação:Currículo; Mestre em Educação, Arte e História da
Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP; Professor universitário e Pesquisador atuando
no Centro Universitário Senac em Campos do Jordão; Editor do Portal Planeta Educação
Ficha Técnica
Redentor
País/Ano de produção: Brasil, 2004
Duração/Gênero: 95 min., Drama/Comédia
Direção de Cláudio Torres
Roteiro de Cláudio Torres, Fernanda Torres e Elena Soáres
Elenco: Pedro Cardoso, Miguel Falabella, Camila Pitanga, Stênio Garcia,
Fernanda Montenegro, José Wilker, Fernando Torres, Toni Tornado,
Mauro Mendonça, Lúcio Mauro, Paulo Goulart, Tonico Pereira,
Guta Stresser, Fernanda Torres.
Links- http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/redentor/redentor.htm
http://cineclick.virgula.com.br/criticas/index_texto.php?id_critica=8869
http://e-pipoca.cidadeinternet.com.br/filmes_zoom.cfm?id=9877
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